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A mostrar mensagens de 2013

O Hojismo

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Já todos fomos crianças. Viviamos a achar que o futuro é que era bom! "Ah! Quando eu tiver 12 anos... Quando chegar aos 15, já posso sair à noite..." Imaginavamo-nos com 18 anos, crescidos, lindos, cheios de coisas interessantes para fazer! As crianças são os campeões do amanhãzismo . Projetam-se no futuro, confiantes de que ele lhes vai trazer tudo o que antecipam nos seus sonhos. Depois, o tempo vai passando, invariavelmente. À medida que envelhecemos, começamos a olhar para trás, a reviver com nostalgia os tempos da infância e da juventude. Gostamos de contar e recontar as mesmas histórias, às vezes retocadas pelo tempo. Mas este ontemzismo  não é monopólio dos idosos. Conheço muita gente mais nova que vive mergulhada num passado qualquer, numa época dourada, blindada ao presente pelos esplendores do passado. E também os há que vivem projetados no futuro, muito depois de terem passado a infância. Esquecem-se de viver o dia a dia, mergulhados em responsabilidades prof

Lisboa em tempo de guerra

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(Sentinela da Legião Portuguesa em serviço no Terreiro do Paço) No início dos anos 40, a Europa vivia o caos da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha avançava em todas as frentes e temia-se um ataque também a Portugal. Sabe-se que esteve planeado, seria a Operação Félix. Salazar organiza então a defesa da cidade de Lisboa, através da Legião Portuguesa. Há monumentos nacionais protegidos por tapumes, os feixes de luz varrem os céus, os tesouros da arte portuguesa são encaixotados e resguardados. Um país neutral no meio de uma Europa em guerra, Portugal é também local de encontro de espiões de todos os lados do conflito, e plataforma giratória de refugiados que aqui procuram um porto seguro mas, principalmente, um local de passagem para outros destinos.  Os que aqui chegam encontram um país de contrastes, em muitos aspetos parado no tempo. À volta do eixo definido pela Avenida da Liberdade e Avenidas Novas, surgiam os bairros pobres, onde a sobrevivência era uma luta diária. Uma

Dos Livros

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(Kansas City Public Library, Missouri - fotografia do Google) Desde sempre associei o verão aos livros e às leituras. Não sei bem porquê. Talvez porque no verão, nas férias, tenho mais tempo para ler. Ou talvez porque estar debaixo de um chapéu de sol, com uma brisa agradável e uma bebida fresca, acompanhada por um bom livro, é um dos meus ideais de bem estar! Seja como for, dei por mim a pensar em livros. E lembrei-me daquela magnífica biblioteca pública, em Kansas City, cuja fachada é composta por lombadas de livros, agrupados como numa gigantesca prateleira, enormes, poderosos!  Isto de estar de férias é assim mesmo! Temos tempo e disponibilidade mental para pensar no que nos apetecer! E fiquei a pensar, para comigo, que livros escolheria se me fosse dada a possibilidade de organizar uma fachada assim, para uma biblioteca, uma feira do livro, ou qualquer outro sítio dirigido aos amantes da leitura. O primeiro de que me lembrei foi o D. Quixote. Confesso aqui que tenho um

A Fonte Luminosa - adenda!

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Em novembro do já distante ano de 2009, ainda este blogue era um infante, escrevi sobre a Fonte Luminosa que, abandonada e seca, tinha deixado há muito de ser fonte, quanto mais luminosa! Está aqui , para quem quiser recordar. Está mais do que na altura de fazer uma correção a esse post. É justo e devido! Porque a fonte já foi recuperada e voltou a jorrar água, e aí está, imponente e bonita, a marcar o topo da Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa. As obras de reabilitação incluíram a recuperação das estruturas construtivas, a limpeza da pedra e proteção das cantarias, o restauro da estatuária, a reparação dos sistemas hidráulicos e mecânicos. Foram introduzidas novas bombas e quadros elétricos e um sistema computorizado que permite diferentes efeitos cenicos dos jogos de água e de luz e programar as horas de funcionamento. Tudo isto custou cerca de 1,3 milhões de euros, desta vez muito bem utilizados! A fonte, inaugurada em 1940 para comemorar a entrada das águas canalizadas na

Das baratas

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Há qualquer antagonismo entre as mulheres e esses insetos que dão pelo nome genérico de baratas. É uma aversão atávica, ancestral, uterina... Não sei qual é o seu fundamento científico, mas não há dúvida de que é facilmente comprovável! Aqui há dias, fui a um supermercado no interior de um centro comercial da capital. É um pequeno supermercado, dentro de um centro comercial insuspeito, e eu entrei apenas para comprar uma alface e mais alguns produtos de mercearia. Quando me dirigi à caixa e pus os produtos no tapete rolante, vi que saía do saco de plástico da alface um bicho com a aparência de uma barata. Se não era uma barata, era um membro da família que, como todos sabem, é muito vasta. A barata parou na borda do saco e ali ficou, com ar provocador. Eu sei que isso não tem problema nenhum, e que no campo há bichos, e que um bicho se pode meter num saco, e por aí fora... Mas entre a compreensão e a reação, há uma distância infinita de incapacidades! Fiquei paralisada, a olhar para

Das previsões meteorológicas

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Não foi assim há tanto tempo! Foi talvez no final da primavera, quando suspiravamos por uns dias de sol e calor e o S. Pedro só nos brindava com chuviscos e temperaturas invulgarmente baixas para a época. E a previsão espalhou-se: segundo os meteorologistas franceses, iamos ter o verão mais frio desde 1816! Quem tinha marcado férias lá para setembro, talvez tivesse sorte! Antes disso, era dizer adeus à praia e às esplanadas e às cervejolas geladas! Talvez o S. Pedro se tivesse enchido de brios, não sei! A verdade é que o calor veio em força, até com uns exageros dispensáveis! Não me apetece escrever, nem pensar muito! Só me apetece preguiçar, de preferência à beira mar, ou num local aprazível, com largos horizontes.  Ainda bem que, nestes estranhos tempos que correm, nem as previsões meteorológicas são irrevogáveis! (Na Herdade do Esporão - Fotografia de... Teresa Diniz)

A carreira de mãe

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Ser mãe é uma carreira. Longa e exigente. Uma daquelas funções com isenção de horário, que exige dedicação total, mesmo que a remuneração não seja grande. Não é uniforme, tem escalões, e nós lá vamos subindo na carreira conforme podemos. No início, quando entramos em funções, somos como um trabalhador inexperiente, inseguro. Temos medo de fazer alguma coisa mal, lemos tudo sobre o nosso trabalho, nem dormimos com medo que alguma coisa dê para o torto! Depois, vamos adquirindo prática e tudo se torna mais fácil. Definem-se procedimentos. Estabelecem-se rotinas. A pouco e pouco, começamos a delegar tarefas, e descobrimos que, de simples trabalhadoras indiferenciadas, passámos a chefes de divisão. Damos orientações, mantemos o rumo. Quando é necessário, fazemos uma admoestação. Sempre que podemos, distribuimos elogios. Quando damos por nós, somos uma espécie de CEO da empresa. Já tudo funciona independentemente de nós. A empresa cresceu, os funcionários seguiram o seu caminho, e tr

Seguindo os rebanhos

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Desde tempos imemoriais, os pastores do interior de Portugal subiam à Serra da Estrela no início do verão, para procurar as melhores pastagens. Quando os tempos frios se avizinhavam, voltavam a descer a serra, fazendo os mesmos precursos em sentido contrário. A este movimento pendular chama-se transumância. Gosto desta palavra. Etimologicamente, advém da junção do radical trans , que significa para além , com a palavra humus , terra. Isto é, designa o movimento que leva para lá da terra, cruzando culturas e experiências à cadência da passagem dos rebanhos. Neste fim de semana, foi recriada a Grande Rota da Transumância, entre Seia e as pastagens na zona do Sabugueiro. E nós fomos convidados a seguir os rebanhos pela serra acima, por caminhos seculares. O momento é de festa. Cada rebanho é conduzido pelos seus pastores, vestidos a rigor. Os bodes e os carneiros são enfeitados com bolas de lã coloridas e com grandes chocalhos, que se fazem ouvir a distância. Nas aldeias, as pesso

Os Antónios de Lisboa

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Estão quase a terminar as chamadas festas juninas, isto é, as festas em honra dos santos populares que decorrem, um pouco por todo o país, durante o mês de junho. Em Lisboa, como se sabe, a animação organiza-se à volta de Santo António, o nosso santo que viveu entre Lisboa e Pádua, deixando uma marca indelével nas duas cidades. Outros Antónios marcaram e marcam ainda a cidade. De muitos, não reza a história. Viveram, labutaram e desapareceram, deixando um rasto mais ou menos profundo. No entanto, durante o século XX, outro António viveu em Lisboa, lá para São Bento, governando daí todo o país. Também marcou indelevelmente o sentir português, de tal maneira que inspirou quadras populares, como esta que corria em voz baixa entre os lisboetas de há cinquenta anos. Seguindo o modelo ingénuo e um pouco brejeiro das quadras dos mangericos, remetia para a situação política e o mal-estar social que, já nessa altura, se fazia sentir. Dos dois Antónios de que Lisboa desfruta um é fil

O que pensamos vs. o que dizemos!

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Por muito que nos consideremos honestos, francos, sinceros, há sempre ocasiões em que aquilo que dizemos não reflete aquilo que estamos a pensar no momento. Geralmente, nem é por maldade, antes pelo contrário, pode ser por comiseração, piedade, enfado... Imaginemos aquela situação confrangedora em que uma amiga nos diz, com ar triste: "Estou um pote! Engordei imenso este inverno!" Qualquer pessoa tende a consolá-la, com um "Não, que ideia! Ganhaste uns quilinhos, nada que uns dias de dieta não curem!" Isto apesar de acharmos que não deve ter, lá em casa, um bikini que lhe sirva! Também pode acontecer que vamos com a mesma amiga às compras e, depois de a vermos a provar quarenta e sete pares de calças, já damos por nós a afirmar com o nosso ar mais convicto, embora sem sinceridade nenhuma: "Leva essas, ficam-te lindamente!" Há também aquelas pessoas que não suportam não saber seja o que for. Se alguém fala de um filme de Tarantino, ou do prémio atribuí

O Zé dos Cornos

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 (O Beco dos Surradores) O Beco dos Surradores é uma rua estreita e típica de um dos bairros mais típicos de Lisboa: a Mouraria. Mesmo no início do beco, fica esta tasca - porque é disso mesmo que se trata, uma tasca daquelas à moda antiga!  Tem duas salas, uma ao nível da rua, outra na cave, mas são pequenas e quase entramos diretamente para cima das mesas. Estas, as mesas, são corridas, e nós sentamo-nos onde houver lugar. As conversas correm pelas mesas, como o pão, e erguem-se com a mesma descontração para quem anda ali a apontar os pedidos e a servir: "Ó Chico! Então o meu entrecosto?" O Zé e o filho, mais a patroa, que está na cozinha, apressam-se de um lado para o outro, e vão respondendo naquela pronúncia gingada, característica dos alfacinhas de gema! E, no fim da refeição, a conta é feita num pedaço de papel arrancado da toalha, com prova dos nove e tudo. Aqui não há nouvelle cuisine,  nem menu do chef : os pratos são portuguesíssimos! Mas o entrecosto,

Santo António Casamenteiro

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Hoje, mais uma vez, dezasseis casais de Lisboa deram o nó abençoados por Santo António. Uns casaram-se civilmente, outros optaram pelo ato religioso. Depois de uma voltinha por Lisboa em "tuk-tuk", seguiu-se a festa, na Estufa Fria. Os chamados Casamentos de Santo António tiveram início em 1958, por iniciativa do jornal "Diário Popular". Interrompidos em 1974, foram retomados em 1997 pela Câmara Municipal de Lisboa. Tenho uma certa ternura por esta celebração e pela vontade da Câmara de ajudar jovens casais a concretizar os seus sonhos. Mas... porquê sob a égide de Santo António? Só porque é o Santo padroeiro de Lisboa? Não, há boas razões para isto. Santo António tem um rol imenso de patrocínios.  É considerado padroeiro dos amputados, dos animais, dos estéreis, dos barqueiros, dos velhos, das grávidas, dos pescadores, agricultores, viajantes e marinheiros; dos cavalos e burros; dos pobres e dos oprimidos; é padroeiro de Portugal, e é invocado para reencontrar

Mais um 10 de junho...

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E pronto, lá passou mais um 10 de junho! Não gosto particularmente deste feriado, a não ser pelo facto, muito agradável, de ser feriado! Mas, para mim, não tem grande significado.  Começou a ser festejado com grandiosidade durante o Estado Novo, pois antes era um simples feriado municipal, que lembrava o génio de Camões. Mas Salazar aproveitou para juntar ao nome de Camões, que morreu na miséria e tão maltratado pela sua Pátria, a comemoração de Portugal e da Raça. Era assim que se chamava na minha infância, Dia de Portugal e da Raça, que isto da Raça era levado com muita seriedade nos anos 30 do século passado, e com resultados bem tristes, como todos nos lembramos! Recordo-me bem dos dias 10 de junho da minha meninice. Havia intermináveis paradas militares no Terreiro do Paço, pontuadas por discursos que eu não entendia e só me pareciam aborrecidos. Pelo meio, eram condecorados os militares que se tinham distinguido em combate na Guerra Colonial. Muitas eram condecorações póstum

Festa de divórcio

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Uma amiga minha (muito mais nova do que eu, diga-se de passagem!) disse-me, aqui há dias, que tinha ido a uma festa de divórcio. E eu, entre o surpreendido e o ingénuo: - Festa de divórcio? O que é isso? E ela, entre o divertido e o pedagógico: - É uma festa que se faz quando as pessoas se divorciam, claro! Tal como reunem os amigos para dar conhecimento da sua união, também comunicam aos amigos a sua separação. E eu, ciente de que a minha provecta idade me faz ver estas coisas com alguma reserva: - Mas uma separação não é uma coisa muito divertida, pois não? Por melhores que sejam as razões, é sempre um passo difícil, doloroso... E ela, convencida da superioridade das suas razões: - Também não tem de ser um trauma! Pois não, é certo. Especialmente se forem jovens e ainda não houver crianças pelo meio, como parece que era o caso. Fiquei a saber que, tal como na festa de noivado, também houve troca de anéis, mas desta vez tratou-se da devolução das alianças de cas

O que fazer com os últimos dias?

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O que fazer quando nos confrontamos com o diagnóstico de uma doença fatal, que só nos dá mais algum tempo de vida? É uma pergunta terrível, à qual não sei responder. Provavelmente, a reação depende da nossa força interior, mas também do apoio que temos, da família, dos amigos, de uma religião que nos ofereça um caminho. Mas também é verdade que esse caminho é sempre solitário e necessariamente doloroso. E quando esse diagnóstico terrível nos apanha na juventude, naquela idade em que nos achamos invencíveis, temos todo o futuro para conquistar à nossa frente? Foi o que aconteceu com Zach Sobiech. Confrontado com um osteosarcoma fatal, que só lhe dava meses de vida, Zach decidiu dedicar os seus últimos tempos à música. Compôs esta canção, Clouds , que dedicou a todos os seus amigos e familiares. Achei-a tocante, com uma melodia simples mas que fica em nós, e uma letra que nos interpela. If only I had a little bit more time... Zach Sobiech faleceu no passado dia 20 de maio. Tinha 17

Coração em Post-its

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Hoje em dia, no amor como em todos os outros domínios da vida, é tudo rápido. Ama-se e desama-se com muita facilidade. As curtes duram o tempo de uma noite, ou nem tanto. Declara-se uma paixão no facebook, acaba-se uma relação da mesma forma. Mas o amor é o amor, o sentimento mais forte e mais espantoso que move os seres humanos e os faz ter as atitudes mais inesperadas. Neste fim de semana, quando saí de casa, deparei com um carro todo enfeitado de post-its de várias cores. Claramente, havia ali vários bloquinhos e, reparei depois, o trabalho de várias horas. Cada folhinha tinha uma frase, uma só: "Amo-te!" Algumas folhas tinham o desenho de um coração. Mas o que ali dava nas vistas era o grito, repetido em todas as partes daquele velho Renault : Amo-te! Amo-te! Amo-te! Achei muita piada àquele grito de amor! Nesta época de amores rápidos, é bonito encontrar alguém que se expõe e perde tempo para dizer que ama outro alguém.  Não sei quem era o ou a destinatária daqu

No meu peito não cabem pássaros

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Gosto muito de ler e ando sempre com um livro (ou dois, ou três) atrás de mim. Quando acabo de ler um livro, no entanto, não costumo ter esta urgência em escrever ou falar do que li. Mas este livro é diferente. Peguei nele porque o autor, Nuno Camarneiro, tinha ganho o Prémio Leya 2012. Tinha uma expectativa aberta, esperava que fosse bom sem saber bem o que me daria. A sinopse do livro perguntava: " Que linhas unem um imigrante que lava livros num dos primeiros arranha-céus de Nova Iorque a um rapaz misantropo que chega a Lisboa num navio e a uma criança que inventa coisas que depois acontecem? Muitas. Entre elas, as linhas que atravessam os livros." O rapaz que chega a Lisboa é Fernando Pessoa, a criança que inventa coisas e histórias é Jorge Luis Borges, o imigrante em Nova Iorque é alegadamente Franz Kafka. As histórias que ali nos surgem são imaginadas, mas consigo encontrar as palavras de Borges e os sonhos de Pessoa. De Kafka, perdoem-me a ignorância ou a falt

A minha proposta para a reforma do Estado

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Muito se tem falado ultimamente de reforma do Estado. No meio da retórica da reforma e das medidas que vão surgindo, apercebi-me de que essas medidas têm caído quase exclusivamente sobre os funcionários da Função Pública. Estou certa de que isso só acontece por falta de imaginação. Por isso, decidi dar o meu contributo. E, porque todos concordamos que o exemplos devem começar pelo topo, a minha proposta debruça-se sobre a Presidência da República. Pensando em termos de poupança económica, proponho uma alteração na idade mínima para um cidadão se candidatar ao mais alto cargo da Nação. Os 75 anos parecem-me uma idade razoável, por várias razões. Em primeiro lugar, vai ao encontro do aumento da esperança média de vida, que tem servido de argumento para o aumento da idade da reforma dos comuns mortais. Em segundo lugar, diminuía claramente, e por razões óbvias, os gastos a que os nossos presidentes continuam a submeter os contribuintes após a sua saída do cargo. O espírito repu

Bizantinices do futebol

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Há mil e quinhentos anos atrás, a cidade de Bizâncio, a que chamavam a Roma do Oriente, dominava o Mediterrâneo. E, na capital do Império Bizantino, lado a lado com o Palácio dos Imperadores e a Igreja de Santa Sofia, impunha-se o Hipódromo. Era uma enorme construção, capaz de albergar até 40 000 pessoas sentadas, rodeada de outras pequenas construções, dedicadas ao alojamento dos funcionários e armazéns. Os espetáculos eram gratuitos, subsidiados pelo Estado; assistir aos jogos, aos combates, às corridas de carros eram as grandes distrações da população. Havia uma grande competição entre as fações do Hipódromo, os Azuis e os Verdes, que chegava a provocar intrigas políticas e motins. Os corredores de carros, particularmente, eram idolatrados pela  cidade e os azuis e os verdes opunham-se apaixonadamente no apoio aos seus ídolos. Hoje passa-se exatamente a mesma coisa. Os azuis, os verdes, os vermelhos, os laranjas, os brancos, competem e sofrem com a competição entre os seus ídol

Palavras de amor de Nuno Júdice

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"Estar contigo ao acordar, ver como se abrem as tuas pálpebras, cortinas corridas sobre o sonho, sacudir dos teus lábios o silêncio da noite para que um primeiro riso me traga o dia: assim, amor, reconheço a vida que entra contigo pela casa, escancara janelas e portas, deixa ouvir os pássaros e o vento fresco da manhã, até que voltas para junto de mim, e tudo recomeça." Hoje é um dia feliz para a Poesia portuguesa. Nuno Júdice ganhou o Prémio Rainha Sofia de poesia ibero-americana. É o segundo português a conquistar este galardão, depois de Sophia de Mello Breyner o ter ganho em 2003. "Se eu definisse o tempo como um rio, a comparação levar-me-ia a tirar-te de dentro da sua água, e a inventar-te uma casa. Poria uma escada encostada à parede, e sentar-te-ias num dos seus degraus, lendo o livro da vida. Dir-te-ia: «Não te apresses: também a água deste rio é vagarosa, como o tempo que os teus dedos suspendem, antes de virar cada página.» Passam

Pedaços do mundo na World Press Photo

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Está novamente patente em Lisboa a exposição das fotografias premiadas no prestigiado concurso internacional da World Press Photo. Nos últimos anos, tenho tentado não perder, é sempre uma ronda pelo nosso mundo. Fui hoje ver a exposição. Tem, como sempre, imagens impressionantes. Da faixa de Gaza à batalha por Alepo, da luta das mulheres por reconhecimento, seja no Irão, seja na Somália, das imagens do Japão depois do tsunami às lixeiras onde sobrevivem milhares de pessoas, o que sobra é a marca do sofrimento. Também as fotografias da vida quotidiana têm a mesma marca: é o sofrimento da doença de Alzheimer, a luta pela sobrevivência nas favelas do Rio de Janeiro, os rostos de pessoas marcadas por doenças estranhas e raras. Não consigo deixar de pensar que parece haver um estranho e mórbido fascínio pela morte e pela violência, pela destruição e pela dor. Claro que o fotojornalismo cumpre, entre outras, uma função de denúncia. Mas, neste nosso mundo, não há só dor e sofrimento. També

As Provas do 4.º ano e as Borboletas

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Decorreram esta semana, pela primeira vez desde há muitos anos, as provas finais do 4.º ano. Na 3.ª feira, foi a prova de Português. Hoje, foi a vez da Matemática. Calhou-me vigiar uma sala e a prova pareceu-me acessível. Aos alunos da minha sala, também. Estavam calmos e compenetrados, cientes da sua responsabilidade. Sentiam-se crescidos. Os meninos chegaram, acompanhados pelos seus professores, que os ajudaram a encontrar as salas. Os professores também estiveram presentes no intervalo da prova, para os vigiarem e orientarem no recreio. Tudo decorreu com normalidade. Não houve choros nem desmaios, nem nenhum dos cenários negros traçados pelas confederações de pais. Há algum tempo atrás, um amigo falava-me das crisálidas e das borboletas. Explicava-me ele que as jovens borboletas tinham de fazer um grande esforço para romper os casulos, mas que esse esforço era necessário para fortalecer as asas. Era o próprio esforço que lhes permitia, mais tarde, voar. Se alguém, cheio de boas

Dos abraços

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No passado fim-de-semana, tive de ir ao aeroporto buscar uma pessoa que não é da família, mas é como se fosse! No espaço das chegadas, com tempo disponível e sem nada para fazer, pude dedicar-me ao meu passatempo favorito: observar as pessoas. E dei comigo a pensar na importância dos abraços. É um bom local para refletir sobre isso, porque deve ser o local em Portugal onde se dão mais abraços por metro quadrado. O abraço é uma invenção extraordinária da espécie humana. Através de um gesto, duas pessoas juntam-se numa só forma. Partilha-se carinho, amizade, conforto, cumplicidade. Sem palavras, dizem-se coisas muito importantes, como “Tinha saudades tuas!” ou “Estou aqui para o que tu precisares!” Ou simplesmente “Gosto de ti!” O espaço das chegadas do aeroporto é um espaço cheio de emoções positivas. Há os burocratas que chegam e partem com a mesma cara, a pensar nos seus problemas e a falar ao telemóvel. Mas também há homens e mulheres que se reencontram. Netos que correm para o

E depois... há a arte urbana!

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No último post, escrevi sobre os atos de vandalismo que, disfarçados de grafitis, desfeiam e destroem o nosso património. Parece-me que ficou claro que não têm nada de comum com os desenhos, por vezes muito interessantes e imaginativos, que surgem em alguns locais da cidade.  Não aparecem em qualquer lado. Os artistas, porque neste caso é disso que se trata, escolhem um local ou são convidados para preencher um espaço. Geralmente, são espaços degradados ou desvalorizados da cidade. Às vezes, são prédios à espera de recuperação. Outras vezes, são muros ou espaços vazios. Os desenhos são criativos, dinâmicos. Enfim, é arte urbana. Rápida, efémera, mas arte, mesmo assim! Infelizmente, uma pesquisa rápida na internet traz-nos sites que baralham as coisas e metem na mesma gaveta grafitis artísticos e os rabiscos que conspurcam os nossos espaços. E essa confusão não é saudável para ninguém. Creio que se devem admirar uns enquanto se condenam duramente os outros. E acho até qu

Coisas que eu detesto IV - Tags

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Chamam-se tags ou, em português, grafitos. Eu chamo-lhes borradelas nas paredes. Nascem nas paredes e nos muros, a coberto da noite, poluem os bairros e a cidade. Em qualquer lado por onde se ande, estes rabiscos agridem os edifícios e o nosso sentido estético. Não respeitam nada, tanto aparecem num tapume abandonado como numa porta de garagem, como num edifício histórico.  Se há uma coisa que me revolta é ver edifícios recém recuperados, lindos, pintadinhos de fresco, borrados por escritos de grande profundidade filosófica como orc, mau, ou simplesmente coisas como  amo-te André. Às vezes, são letras e rabiscos indecifráveis. Surgem em paredes pintadas, mas também nas pedras dos monumentos, onde são muito mais difíceis de remover.   Não consigo entender o que pensam ou sentem as pessoas que assim degradam o nosso património. O que lhes passa pela cabeça? Que as suas borradelas são mais importantes do que as paredes de um edifício histórico?  Senti ontem essa revolta, mais uma v

O Chico

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                                        Chama-se Chico. A dona não sabe bem que idade lhe atribuir. Foi o marido que lhe trouxe o papagaio, quando andava embarcado, no rio que agora vem lamber o fundo da calçada. E foi uma paixão que já dura há muitos anos. O Chico é a sua companhia, agora que o marido se foi. E é um papagaio conversador, fala muito, especialmente quando percebe que a dona não lhe está a dar a atenção toda. - Quem és tu? O que estás a fazer? E logo a seguir desinteressa-se, não espera pela resposta, rodando a cabecita para outro lado. A dona dá-lhe todos os mimos, como se fosse um netinho. Conta-nos com ar enternecido que o Chico gosta de chocolate e de pastéis de nata. Ela compra-lhe um pastel de nata por semana e ele come, guloso, mas só o creme! E ela, preocupada com os diabetes do papagaio, leva-o à médica de família, que lhe diz para não abusar dos doces. Também gosta de nêsperas. - Já lhe comprei duas nêsperas, este ano. Para mim, ainda não compre

O vagabundo na avenida

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Encontro-o de vez em quando, logo de manhãzinha, a deambular na avenida. Vagueia, com um ar meio perdido, por entre os carros que se desviam, felizmente poucos naquela quase madrugada em que o encontro. Também sigo devagar, desviando o carro, se necessário. Nem sei o que lhe diria, se o atingisse, inadvertidamente. - Onde é que mora? - Não sei, minha senhora. É alto mas não é forte, é mais balofo, com umas bochechas que lhe caem dos lados da cara escura. Não lhe adivinho a cor, só consigo vislumbrar um bocado da cara, escura de suja. E os olhos, uns olhos avermelhados e mortiços. Tem um gorro enfiado na cabeça, do qual se escapam umas ripas de cabelo de tom igualmente escuro e indefinido. Usa um blusão e umas calças, manchadas e com ar de não verem água há muito tempo. Tem aquele ar de não ter ninguém que se ocupe dele, uma mãe, uma mulher, uma irmã... - Olha, não vais para a rua nessa figura, pois não? Não, ninguém se interessa, a não ser os voluntários que, de vez em quand

Uma imagem luminosa

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Ontem, como acontece todas as segundas feiras, lecionei seis aulas, seguidas. Terminei, como sempre, exausta. Sentia-me cansada de andar de bloco para bloco, cansada de falar, de explicar, mas também cansada de lutar contra a indiferença, os olhos vazios de curiosidade, a resistência passiva. Cansada de mandar guardar telemóveis escondidos debaixo das carteiras e "head-phones" disfarçados debaixo dos capuzes. Cansada de tentar fascinar e captar para o saber, mentes totalmente absorvidas por questões como roupas, facebook, futebol ou namoricos (que agora se chamam "curtes"). E não pude deixar de me lembrar de uma imagem que andou aí pela internet. Olhei para esta imagem e, de repente, não a entendi. O que faziam aqueles rapazes, ali sentados, de noite, com um livro nas mãos? Depois, vinha a explicação. Aquele local era o estacionamento do Aeroporto Internacional de G'Bessi, na Guiné-Conacri. Quando começa a anoitecer, o passeio enche-se de estudantes, que