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A mostrar mensagens de abril, 2012

Manhã de chuva

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Chove. Troveja. Uma manhã de sábado triste e cinzenta. A rua está deserta de gente, coberta por cortinas de água. Depois de um inverno seco, chegou uma primavera invernosa. Sinto-me cinzenta como o tempo.  Sim, eu sei que a chuva faz muita falta, nos campos, nas barragens. Os criadores de gado e agricultores têm razões para estarem satisfeitos. Os animais precisam de pastagens. E, se não chover, haverá mais um pretexto para nos aumentarem o preço da eletricidade. Mas, o que hei-de fazer? Eu trabalho a baterias solares e não gosto de dias de chuva. Aqui fica "This One's from the Heart", uma belíssima interpretação de Tom Waits e Crystal Gayle, que condiz com a minha disposição e o tempo lá fora. Faz parte da banda sonora do filme com o mesmo nome, realizado por Francis Ford Coppola em 1982. Um filme intimista, que pode ser uma boa sugestão para uma tarde de chuva.

Sapos e outras superstições

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Eu sei que sou distraída, mas admito que só este ano me comecei a interrogar sobre a quantidade de sapos que se encontram à entrada dos mais variados estabelecimentos comerciais, desde pastelarias a supermercados, passando por lojas de moda. Já alguém reparou nisto? São sapos grandes ou pequenos, realistas ou caricaturados, de loiça, de papel, de metal, a variedade é tão grande como a imaginação humana. Confesso que de início só me interroguei sobre o bom gosto (ou a falta dele!) que presidia a certas escolhas decorativas. Mas achei que, para ser uma solução decorativa, se repetia vezes demais! Também podia ser uma mensagem relacionada com a crise, do estilo: “Agora vamos ter de engolir uns sapos!” Podia ter a ver com príncipes encantados, beijos e casamentos felizes para sempre!... Bem, acabei por perguntar a amigos e, afinal, a resposta era simples: era para afastar os ciganos! Uma simples pesquisa na internet permitiu-me perceber que os ciganos associam os sapos ao mal, ao infor

O menino que gostava de ler

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Era um menino que gostava de ler. Tinha aprendido, juntamente com os outros meninos da fazenda, na pequena escola que ficava no topo da colina. Mas, enquanto os outros se encantavam com os pássaros e os toiros, ele fascinava-se com as letras. Lia tudo o que encontrava, os cartazes da beira da estrada, os farrapos de notícias que chegavam a esvoaçar em pedaços perdidos de jornais, os rótulos das latas que se deitavam fora, as bulas dos remédios para os cavalos. Punha a cozinheira maluca, sempre a ler os escritos das embalagens. Só lhe faltavam os livros... Até que um dia tudo mudou. Houve um grande incêndio na fazenda. Foi o pânico, todos corriam de um lado para o outro, acartando água, batendo no chão com pequenos ramos para evitar reacendimentos, ou apenas gritando e atrapalhando todos os que tentavam salvar a aldeia e os campos de cultivo à volta. Ninguém ligava importância ao garoto, que fugiu pelos campos para o sítio que lhe pareceu mais seguro: a Casa Grande. Em situações n

Dia dos Livros

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  A educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo. (Nelson Mandela) No dia 23 de abril de 1564,  nasceu William Shakespeare. A 23 de Abril de 1616, faleceram Shakespeare e Cervantes. E, sabe-se lá porquê, outros escritores escolheram esta data para nascer ou para morrer, como Garcilaso de Vega, Maurice Druon ou Vladimir Nabokov. Por isso, a UNESCO escolheu esta data para Dia Mundial do Livro. É um bom pretexto para homenagear os que escrevem e motivar os que lêem. Toda a minha vida vivi rodeada de livros, amigos ou refúgios de todas as horas. Moldaram muito do que penso e sou. Aproveitando a data, deixo uma sugestão: oferecer um livro! Há-os para todos os gostos e de todos os preços. E depois, aproveitar aquela hora sossegada, do deitar, ou do descanso após o almoço, e ler com as crianças. É na infância que se cria o gosto pelas letras. É a época dos sonhos, e os livros ajudam-nos a sonhar. Mas também nos ajudam a compreender o mundo e a estruturar o p

O ano em cartoons

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Para quem tiver vontade de rever o ano de 2011 com um sorriso (o que nem sempre é fácil!), aconselho uma visita à Exposição do World Press Cartoon, que está aberta ao público, desde ontem, no Museu de Arte Moderna de Sintra. Este ano, a organização do  World Press Cartoon  recebeu 861 cartoons e 402 candidaturas de 56 países. Dessas, foram seleccionados 343 desenhos de 260 autores, incluindo todos os premiados, para a exposição anual agora inaugurada em Sintra, e que ficará patente até 30 de Julho. Nas várias salas do rés-do-chão e do primeiro andar, podemos apreciar desenhos nas categorias de cartoon editorial, desenho de humor e caricatura. O humor sarcástico, por vezes negro, acompanha os temas que marcaram o ano de 2011: o desastre japonês, a crise europeia, a luta contra a pobreza, as eternas guerras, a primavera árabe.  O artista norueguês Egil Nyhus ganhou um dos prémios máximos da caricatura com o desenho que reproduzo abaixo.  (Caricatura do antigo diretor do

Burros ricos e burros pobres

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Parece que decorreu já no mês passado, mas foi só há poucos dias que tive oportunidade de ler algumas partes da comunicação que  Michael Marmot, professor catedrático em Epidemiologia e Saúde Pública e director do Instituto Internacional para a Sociedade e Saúde na University College de Londres, trouxe a Lisboa, onde falou para profissionais da área da saúde no Instituto Ricardo Jorge. Confesso que, não sendo a minha área, nem sempre me despertam atenção as questões de saúde pública. Mas o que este professor nos veio dizer,  vai muito para lá da saúde, acaba por ser um estudo sociológico muito interessante.  Não é novidade para ninguém que uma mulher queniana tenha quase metade da esperança média de vida de uma mulher sueca ou japonesa. O que já é surpreendente é que se possam constatar diferenças significativas nos mesmos bairros ou nos mesmos grupos socio-profissionais, dependendo de alterações  no grau de escolaridade ou no grau de satisfação profissional. Hoje, ao fim de anos de

Desencantos felizes

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Ah, o amor que move as nossas ações e dá sentido aos nossos dias! (O texto seguinte integra-se no desafio "Amor aos Pedaços" lançado pelo blogue Luz de Luma , com o tema "Desencanto".) O primeiro sintoma manifestou-se no segundo ano do casamento. Era sábado e Júlia tinha perdido mais tempo do que o costume a preparar o jantar. Tinha-se esmerado. Não sabia bem porquê, não era para agradar ao marido, que estava na sala, a ver televisão, filmes atrás de séries, atrás de documentários… Estava amuado com qualquer coisa, mas Júlia já não se lembrava bem porquê, tinha-se tornado demasiado frequente. Lembrava-se, por isso, que não se tinha esmerado para agradar ao marido, também não havia visitas, nem nenhum acontecimento especial. Tinha-se esmerado porque lhe tinha dado prazer misturar ingredientes, inventar, mexer o tacho vagarosamente, perder-se nos aromas e nos sabores. Finalmente, a mesa estava posta e a travessa na mesa. Chamou o marido. Recebeu uma resp

O valor das coisas

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Estamos numa época em que os valores económicos dominam o mundo e as relações entre as pessoas. É a economia que define o nosso modo de vida, os nossos projetos e expectativas. No entanto (ou talvez por isso mesmo!) é urgente parar para pensar no que é verdadeiramente importante. É urgente valorizar as relações humanas, entre pais e filhos, entre amigos, até entre colegas de trabalho. Nós não somos máquinas, somos pessoas e, apesar de tudo, não há nada que substitua um sorriso. Num momento em que a economia parece esmagar-nos, é urgente parar para decidir que valores queremos transmitir aos nossos filhos. Para eles apreciarem as coisas pelo seu valor e não pelo seu preço. As frases seguintes foram criadas para uma campanha publicitária de um Banco, em S. Paulo. Não podiam ser mais oportunas. "Crie filhos em vez de herdeiros." "Dinheiro só chama dinheiro, não chama para um cineminha, nem para tomar um sorvete." "Não deixe que

Um ano depois...

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Faz hoje um ano que a Troika entrou em Portugal.  E, no entanto, as árvores da minha rua voltaram a florir. Tirei esta fotografia há um ano atrás. Entretanto, a nossa vida coletiva sofreu um verdadeiro tsunami, e o nosso estilo de vida mudou, provavelmente de forma irreversível. Mas as árvores continuam a florir e hoje reparei que estão como há um ano atrás. A vida continua sempre o seu caminho.

Wilt

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Haverá melhor maneira de fintar a crise do que rindo? Talvez por essa razão apeteceu-me ler um livro leve e bem disposto e, em boa hora, um amigo recomendou-me este “Wilt”, de Tom Sharpe, um homem multifacetado que, entre outras coisas, foi professor de História. Hoje, Sharpe vive alternadamente entre Cambridge e a Catalunha. É autor de vários livros, a maioria num registo cómico. Quem é então Wilt? Henry Wilt é professor no Instituto de Letras e Tecnologias de Fenland. Há anos que tenta enfiar Literatura na cabeça de aprendizes de estucadores, canalizadores, talhantes, instaladores de gás. Em casa, a coisas também não vão bem com Eva, a sua maciça e dominadora mulher. As fantasias de Wilt em relação a Eva tornam-se cada vez mais assassinas e, após uma experiência dolorosa e humilhante numa festa, Wilt lança-se na preparação da vingança. Eva desaparece e as suspeitas da polícia recaem sobre Wilt, que é preso e interrogado durante dias. É nessa altura que a experiência de Wilt n

Jesus Christ Superstar

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Na época da Páscoa, era tradicional a televisão passar filmes que revisitavam a vida de Jesus. Geralmente, centravam-se nos seus últimos anos, na pregação, na prisão e calvário, até ao momento final da crucificação. Nada de chocante, afinal éramos um país maioritariamente católico, onde a tradição pascal tinha raízes fortíssimas. Em muitas cidades e aldeias, ainda hoje essas tradições são seguidas e cumpridas. Continuamos a encontrar as procissões, o Enterro do Senhor, a Via Sacra. Outras actividades religiosas ocupam toda a Quaresma, até à explosão festiva do Domingo de Páscoa. As televisões, no entanto, espelham hoje a diversidade cultural e religiosa que caracteriza Portugal. A programação pouco tem a ver com a época litúrgica. E dei por mim a recordar o filme sobre a vida de Jesus que mais me marcou: o Jesus Christ Superstar. Este filme de 1973, baseado na obra de Tim Rice e   Andrew Lloyd Webber, foi uma explosão de criatividade musical, mas também de liberdade no modo de repre

Slowdown!

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Às vezes, há comentários que merecem transformar-se num post! É o que acontece com este comentário à questão do Slow Blog, que acaba por transformar-se numa verdadeira apologia do Vagar!  Então, boa Páscoa! Com muita calma! (A Música é para acompanhar a leitura do texto!) "A ideia é porreira mas pouco original... ainda que não aplicada à cena de “blogar” ou “postar” (termos aliás pouco simpáticos para com a nossa lusa linguagem)... Refiro-me por exemplo aos  slows  do tempo dos liceus... o que eu gostava mesmo era dos  slows , era capaz de dançar os 7 min e 45 seg do “Us and Them” sem tirar os pés do chão, nem sair de um círculo de 50 cm... qual  shake  qual quê!  slows  era que era bom... Mas há mais, sobretudo o conceito  slowdown  (não, não me refiro ao  bar  em Omaha no coração dos  States )... mas ao conceito bastante importante nos dias de hoje... tipo... - Esta blogueira (passo a expressão) está a irritar-me, vou-me aos comentários que a deixo toda negra

A Felicidade Interna Bruta

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Há algum tempo, o jovem rei do Butão (um pequeno reino situado nos Himalaias, que metade das pessoas não saberia localizar no mapa) teve uma ideia revolucionária: substituiu o Produto Interno Bruto, conhecido por PIB, pela Felicidade Interna Bruta, a FIB, como medida do desenvolvimento do país. Em inglês, para quem queira pesquisar, chama-se  Gross National Happiness  ( GNH ).  A FIB resultava de um conjunto de indicadores, que iam da educação à saúde, passando pelo respeito pelo ambiente, pela promoção dos valores culturais, pelo equilíbrio no uso do tempo.  Parecia uma ideia desfasada, quase folclórica, neste mundo dominado pelos conceitos económicos. Mas a ideia do rei do Butão lá fez o seu caminho. Hoje, ela é discutida na ONU, no âmbito de um debate sobre a Felicidade e o Desenvolvimento. As conclusões do debate levado a cabo pelos mais de 600 delegados presentes, serão levadas ao próximo Fórum sobre Desenvolvimento Sustentável.  Desde o século XVII que nos ensinaram que a ri

O Colecionador

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Lá no bairro, todos o conheciam por Januário das Caras. Desde miúdo que lhe sabiam do gosto por colecionar caras de pessoas. Começou pelos retratos da família, que pedinchava a todos, e pelas sobras dos retratos da máquina de Photomaton, que estava instalada na Papelaria do Sr. Luis. Achavam-lhe graça, comentavam as imagens que ele juntava num pequeno álbum, de folhas negras: “Olha, é a tia Micas, ainda antes de casar!” ou “Esta não é aquela senhora que vive ali na rua de baixo?” E piscavam-lhe o olho, cúmplices. Com a idade, o gosto foi-se acentuando. Fotografava toda a gente, família e amigos, vizinhos e gente que passava na rua. Considerava-se um colecionador de rostos e nada lhe dava mais prazer do que sentar-se na mesa da sala, a folhear os seus inúmeros álbuns, a observar as caras, as mudanças na expressão, a imaginar as histórias por trás de cada ruga, de cada olhar angustiado, de cada sorriso malicioso. Às vezes, punha-se a mudar a forma de catalogação dos seus rostos, só p