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A mostrar mensagens de 2011

Entre o fim de ano e o ano novo

Nesta altura do ano, somos bombardeados com programas televisivos que fazem resumos e releituras do ano que finda e se sondam os auspícios para o ano que vai começar. É uma época de balanços, esperanças e intenções. Sonhos que se descartam, ultrapassados ou derrotados. Outros que se iniciam e firmam os primeiros passos. É uma época estranha, quase mágica. Lembrei-me de Carlos Drummond de Andrade. Tinha um conjunto de poemas chamados, bem a propósito, Poemas de Dezembro. Pesa-se o ano que termina com os olhos nos voos que já se vislumbram.  Procuro uma alegria uma mala vazia do final de ano e eis que tenho na mão - flor do cotidiano - é vôo de um pássaro é uma canção.  (Dezembro de 1968) Mas o Poeta também nos deixou uma belíssima Receita de Ano Novo. Para quê procurar afincadamente no mundo à nossa volta o que tem de começar dentro de nós? Para você ganhar belíssimo Ano Novo cor de arco-íris, ou da cor da sua paz, Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido (mal vivi

Adeus Querido Líder

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Hoje foi a sepultar o Querido Líder. Ou talvez a embalsamar, para se manter disponível para a adoração forçada dos seus súbditos. Confesso que me sinto aliviada. Já não suportava ligar a televisão e ver filas ordeiras de pessoas a destilar lágrimas e sofrimento à ordem de um dos regimes mais autoritários e brutais do mundo, naquele que é, ao mesmo tempo, um dos países mais pobres do mundo. Enfim, para abreviar, um país onde há dinheiro para armas nucleares mas não para aliviar a fome do seu povo. No entanto, ao mesmo tempo, tornou-se um espetáculo fascinante assistir à escalada da ostentação da dor. Num dia viam-se as pessoas a chorar e arrepelar os cabelos, no dia seguinte eram as crianças das escolas, a histeria foi aumentando como se cada um tivesse de mostrar mais dor que o vizinho do lado. A loucura atingiu um patamar superior no dia em que um locutor anunciou (sem se rir!) que a natureza também mostrava o seu pesar pela morte do querido líder, pois os pássaros tinham parado nas á

Crónica de Natal

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Quando chega esta época do ano, é irresistível fazer um balanço. O Natal é um marco importante do ano, junto ao final do ano civil, coincidente com o solstício de inverno, a época mais fria e escura de todo o calendário. Por isso temos a tendência de a encher de luzes, cores e alegria. Podemos gostar ou não. Ele aí está, pontualmente, todos os anos. Confesso que este Natal me pareceu diferente dos anteriores. Festejei-o num contexto diferente, embora com as mesmas pessoas, os que amo e me apoiam desde sempre. Mas foi o ambiente geral que me pareceu diferente. Suponho que a culpada é a crise. E, no entanto (que me desculpem os desempregados e outras pessoas que sentem a crise de forma mais aguda), nalguns aspetos pareceu-me melhor e mais genuíno. Comecemos pela Baixa lisboeta. Costumava rebentar de luzes e enfeites de Natal. Em Novembro já havia anjinhos e pinheiros por todo o lado, bolas vermelhas e douradas, cânticos de Natal. Este ano a contenção de despesas ditou a contenção das dec

Grácia Nasi, uma história de vida

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Hoje, quarta-feira de cinzas, começou oficialmente a Quaresma. Para os cristãos é um tempo de reflexão, de pensar em coisas sérias. Dei por mim a pensar na problemática religiosa no mundo actual, na tolerância versus intolerância, nos vários tipos de fundamentalismos. E, bem a propósito, lembrei-me do último livro que li, intitulado Grácia Nasi - A Judia portuguesa do Século XVI que enfrentou o seu próprio destino. Escrito por Esther Mucznik, é um livro fascinante. Não é um romance, é antes uma biografia de uma vida tão cheia e aventurosa que parece um romance. E lê-se com a mesma avidez. Grácia Nasi nasceu em Portugal em 1510, numa família judaica expulsa de Espanha. Em Lisboa, a família enfrenta a conversão forçada ao cristianismo, no reinado de D. Manuel, e Grácia é baptizada como Beatriz de Luna, mantendo toda a vida esta vivência ambivalente. Fica viúva muito cedo, herdando a fortuna do marido e continuando o seu percurso como uma verdadeira mulher de negócios. Mas a época é difíc

Recordar Phil Collins

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Hoje, o músico Phil Collins anunciou o fim da sua carreira musical. Segundo os jornais noticiavam, ele teria problemas de audição e também problemas nos nervos da mão que o impossibilitavam de tocar bateria. Agora, a preocupação dele estava centrada nos filhos.  "Vejo os prémios MTV e penso: não posso estar neste negócio. Não pertenço àquele mundo e não me parece que alguém vá ter saudades minhas." Foi assim que o britânico Phil Collins anunciou o fim da carreira de 40 anos na música. Permito-me discordar. Ele pode já não pertencer àquele mundo. Tem 60 anos e os problemas físicos não perdoam. Mas não me parece que vá ser esquecido. Lembramo-nos todos bem de muitos êxitos que teve na sua carreira a solo. E lembro-me de Phil Collins desde o tempo em que era o baterista de uma das minhas bandas de eleição, os Genesis, e, depois da saída de Peter Gabriel, também o vocalista do grupo. Não resisto a recordar o Phil Collins dessa época. Quem não se lembra de Carpet Crawlers?  Uma mú

Olhar para o lado melhor da vida

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Nos últimos tempos, cada vez que vejo um noticiário fico deprimida. Tenho aquela sensação desagradável de que está tudo numa situação má, mas tão má que não se vislumbra solução! As famílias estão a ficar economicamente asfixiadas, o Estado pede dinheiro a juros incomportáveis, Portugal caminha alegremente para o abismo. Só o futebol mantém alguns portugueses felizes.  Mas estamos à beira de um fim de semana um bocadinho maior, é Carnaval... enfim, vamos tentar olhar para o lado brilhante da vida, assobiar, sorrir, cantar e dançar, como nos aconselham os sempre incomparáveis Monty Python. Bom fim de semana!

Dias disto e daquilo...

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Como toda a gente que me conhece já sabe, não sou grande adepta de dias disto e daquilo. Sim, eu sei que servem para chamar a atenção para certos problemas ou situações de discriminação, mas na maioria das vezes parece-me que a única coisa que está por trás desses dias é uma grande pressão consumista. No entanto, não me tinha apercebido da dimensão que este fenómeno atinge. Até ontem... Ontem, quando fazia uma pesquisa na internet, deparei-me com dados que desconhecia e me espantaram. Alguém imagina quantas efemérides se comemoram em Portugal? Nada mais nada menos do que 354, quase uma para cada dia. Mas se há alguns dias sem efeméride, há outros muito cheios. A 21 de Março, por exemplo, celebra-se a Poesia, a Eliminação da Discriminação Racial, a Floresta, o Sono, a Marioneta, a Síndrome de Down e a Árvore. Há todo o tipo de efemérides e eventos comemorativos. Do estudante ao professor, das zonas húmidas aos castelos, do ovo ao sorriso, há dias para todos os gostos, passando por todo

Cigarros, chocolates e cigarros de chocolate

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Hoje fui a uma loja especializada na venda de produtos feitos de chocolate, para comprar moedas de chocolate. À saída, vi numa caixa uns pacotinhos que se pareciam mesmo com maços de tabaco. E perguntei à vendedora: "São cigarros de chocolate?" A rapariga, muito simpática, explicou-me que não, que já não havia esse produto há cerca de dois anos, que inclusivamente podiam pagar multa se fizessem e comercializassem produtos com o feitio de cigarros, charutos ou qualquer coisas que fosse fumável. Para evitar o quê? O vício? Trocámos ali umas opiniões, saltaram logo as recordações, juntaram-se mais duas pessoas. Todos tinhamos consumido furiosamente cigarros de chocolate na infância. "Lembro-me de os comprar na taberna lá da terra, o meu pai dava-me umas moeditas..." . "Eu até coleccionava os pacotinhos com as marcas!" Afinal, nenhum de nós fumava, pelo que o efeito pernicioso dos cigarrinhos de chocolate não tinha tido efeito em nenhum de nós! A vendedora até

Contra ou A favor?

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Este mundo da blogosfera é grande e complexo. Encontra-se muita coisa que não interessa nada. No entanto, por vezes, encontro blogues muito interessantes, que tentam fazer coisas diferentes, originais. É o caso deste blogue A favor & Contra . A ideia é lançar temas de debate, no dia 15 de cada mês. Durante trinta dias, é tempo de comentar os temas, ou mesmo comentar os outros comentários. São sempre temas fracturantes, como se diz hoje em dia. Este mês, por exemplo, o tema é a eutanásia, mas já por lá passaram o casamento homossexual, ou a legalização do haxixe. No final do prazo estipulado, os autores do blogue fazem um balanço dos comentários recebidos e dos argumentos apresentados. Não há ideias certas nem erradas; a ideia é que o blogue seja um espaço de debate, de troca de opiniões. Resta-me dar os parabéns aos dinamizadores deste espaço, que já tinham sido responsáveis por outras iniciativas de muito sucesso, como a Tertúlia Virtual, ou a BlogGincana. E resta-me também aconse

O Facho da Bonança

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Sabem os que me conhecem do meu fascínio por faróis. Gosto da parte estética dos faróis, a torre, os espelhos e luzes, mas acima de tudo gosto do simbolismo, da luz que guia na escuridão. Enfim, aproxima-se um fim de semana de sol, apetece sair de casa e passear, e não resisto a propor um passeio de descoberta. Não a um farol (já me estaria a repetir, já fiz uma vez um post sobre isso), mas a um seu antepassado, um facho. Neste caso, é o Facho de Nossa Senhora da Bonança, erguido no alto de uma duna de areia junto à praia de Ofir. Segundo alguns autores, teria sido mandado construir por D. João III para ajudar os navegantes a ultrapassar os perigos do litoral pedregoso junto a Fão, os famosos "cavalos de Fão". Hoje, é um pequeno edifício quase desmoronado, com uma porta estreita, em arco, encimada pelo brasão de armas de Portugal. Na parede que dá para sul ainda existe um pequeno postigo que permitia observar uma largo pedaço de mar, mas essa função de vigia deixou de ser p

O assobio do amolador

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Hoje de manhã passou um amolador pela minha rua. Ouvi o assobio, tão característico, e corri à janela como se corresse para a minha infância.  Fiquei a observá-lo. Era um velhote com um velho casaco aos quadrados e um boné na cabeça. Caminhava lentamente, a bicicleta pela mão, um caixotinho com ferramentas precariamente preso na parte de trás. De vez em quando, levava à boca a pequena gaita de beiços e soltava o seu assobio. Fazia variações: umas vezes uns sons mais curtos, outras vezes sons mais longos, mais pungentes. Percorreu a rua toda, e eu, perdida no tempo, à janela, a observá-lo. Fez-me lembrar a minha infância, quando ainda morava na Penha de França, antes de mudar para Benfica. Havia muitos vendedores de rua, homens e mulheres que passavam com os seus carrinhos, onde vendiam as mais variadas coisas. Cada um tinha o seu modo característico de se anunciar, o seu pregão. E nós nem precisavamos de perceber as palavras, só pela melodia e entoação do pregão já percebíamos se era a

Não quero ser Touro!

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Eu sei que sou distraída. Por isso, provavelmente, só neste fim-de-semana me dei conta de que os signos tinham sido mudados. Assim, de repente! Foi um choque para mim, como provavelmente para milhões de outros seres humanos por esse mundo fora.  Segundo parece, os astrónomos do Minnesota Planetarium Society divulgaram o que já se comentava em voz baixa há muito tempo: os antigos astrónomos da Babilónia basearam os signos na constelação na qual o Sol se encontrava na data do nascimento. Mas, ao longo dos milénios, a força gravitacional da Terra alterou o seu eixo o suficiente para originar uma diferença de quase um mês no alinhamento dos signos. Mais ainda: por qualquer razão, quem sabe uma birra, definiram só doze signos, quando deviam ser treze. E agora, para repor a verdade científica, há que redefinir o calendário do Zodíaco. Pois, muito bonito! Considerações científicas àparte, há outras implicações e consequências igualmente pertinentes! O que fazer agora agora das medalhinhas e c

Espirros e anjos

O Inverno continua e, com ele, todas aquelas coisas desagradáveis que são o seu cortejo. Continua a chuva, que varia dos chuviscos às saraivadas de granizo. Continua o frio, mais ou menos intenso. Continuam os dias curtos, escuros, pesados. Até o trabalho custa mais a desenvolver. Continuam também as gripes e constipações. No meu caso, foi-se embora a gripe, mas ficaram alguns efeitos colaterais, que incluem espirros dispersos, dores de cabeça ocasionais, nariz vermelho. Mas temos de manter o espírito positivo e a boa disposição. Porque vem muito a propósito, aqui deixo um pequeno e delicioso poema de Nuno Júdice.  BEATITUDE No paraíso, na idade de ouro, ouvindo os anjos tocarem alaúde e flauta, as nuvens acorrem como ovelhas à sua beira. Então, os santos pegam nas tesouras e começam  a tosquia das nuvens. Lá em baixo, nos prados onde as almas se juntam, começa a chover: e como já não haverá guarda-chuvas,  na idade de ouro, as almas constipam-se,  amaldiçoando  as ovelhas, as nuvens

Canções de amor para o São Valentim

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Não sou muito apreciadora de dias disto e daquilo. Do Dia de São Valentim também não. Mas pode ser um bom pretexto para recordar algumas das mais belas canções de amor, e isso sim, é intemporal. Como esta canção de John Lennon...

Morrer sozinho

Para mim, foi o caso da semana. Chocou-me mais do que as manifestações no Egipto ou os patamares insustentáveis a que chegaram os juros da venda da nossa dívida pública. Refiro-me, claro está, à descoberta do cadáver de uma idosa em Rio de Mouro, nove anos depois da sua morte. Um cadáver rodeado de outros cadáveres, do seu cão e dos pássaros que com certeza partilhavam a solidão desta idosa e que com ela partilharam também a morte. Não vou entrar no jogo de acusações. Realmente, se uma vizinha e um primo apresentaram uma participação de desaparecimento já em 2002, não se compreende que o Ministério Público, ou seja lá quem for, não se tenha lembrado de ir espreitar à casa onde a senhora vivia, sozinha e numa idade já avançada. No entanto, como sabemos que a Justiça funciona muito mal neste país, eu ficaria surpreendida era se tivesse havido eficácia e celeridade nesta situação. Mas o caso faz-nos reflectir. Esta senhora ainda teve pessoas que deram pela sua falta. Mas cada vez vamos sa

Os bonecos da Rua Sésamo

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Ontem, ao fazer um zapping pelos canais televisivos, deparei com uma edição comemorativa da Rua Sésamo. Fiquei pregada à televisão, com um sorriso nostálgico e uma saudade enorme a apertar-me o coração. Os meus filhos cresceram com a Rua Sésamo. Todos os dias vibravam com as aventuras do Egas e do Becas, da Tita e do Monstro das Bolachas, do Poupas e do Conde de Kontarrr... O meu filho aprendeu a ler com a Rua Sésamo. A minha filha cresceu a cantar com a Tita. Havia sempre histórias novas, sem grandes dramatismos, mas que retratavam o quotidiano infantil e as pequenas vitórias, mas também os dramas e os medos, que povoam o dia-a-dia e o imaginário das crianças. Pegavam nos seus pequenos problemas, que podiam ir de uma ida ao médico até ao apertar dos atacadores, e tratavam-nos com graça, leveza e eficácia. O que vêem hoje as crianças? Será que a Hanna Montana ou os desenhos animados japoneses conseguem igualar a Rua Sésamo em ingenuidade e graça? Tenho as minhas dúvidas. E tenho pena.

Paixão de Sinaleiro

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Há pessoas e vidas que nos espantam, nos confrontam e nos fazem exclamar a velha frase: "Isto dava um filme!" António Paixão é polícia sinaleiro na zona do Príncipe Real, em Lisboa. Isto é, já de si, uma raridade! Quando eu era miúda, havia polícias sinaleiros em muitos dos cruzamentos de Lisboa. Alguns eram sóbrios e contidos nos seus gestos, mas havia outros que executavam autênticas coreografias em cima das peanhas, a ponto de se juntarem pequenos grupos a observar e, às vezes, a aplaudir. Também havia alturas em que não davam conta do recado e acabavam ofendidos pelos automobilistas mais apressados. Quem não se lembra deles? Pouco a pouco, foram substituídos pelos semáforos e por sistemas informatizados com nomes femininos, que às vezes também não funcionam, mas que já não podemos ofender directamente. Este Paixão é dos poucos que ainda regula o trânsito. Mas tem outra paixão, além da do nome, que o torna ainda mais original: o serviço aos outros. Encara o seu trabalho co

Joan of Arc

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E para começar o fim de semana da melhor maneira, apeteceu-me ir buscar ao baú das recordações preciosas uma velha canção de Leonard Cohen, Joan of Arc . Editada em 1971, no ábum Songs of Love and Hate , é provavelmente a versão mais bela e romântica da tragédia vivida por essa heroína da França medieval. Vale a pena ouvir outra vez.  Now the flames they followed joan of arc As she came riding through the dark; No moon to keep her armour bright, No man to get her through this very smoky night. She said, "i'm tired of the war, I want the kind of work i had before, A wedding dress or something white To wear upon my swollen appetite." Well, i'm glad to hear you talk this way, You know i've watched you riding every day And something in me yearns to win Such a cold and lonesome heroine. "and who are you?" she sternly spoke To the one beneath the smoke. "why, i'm fire," he replied, "and i love your solitude, i love your pride

Os Vitinhos deste país

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O Vitinho apareceu nas nossas televisões e nas nossas vidas faz agora vinte e cinco anos. Um amigo meu lançou uma questão pertinente: se ele fosse real o que estaria agora a fazer? O que fizeste tu da tua vida, Vitinho? É uma boa questão. Imagino o Vitinho crescido, agora com 26 ou 27 anos. Já só os pais e os tios o tratam por Vitinho, para o resto do mundo ele é o Vitor Qualquer-Coisa. Provavelmente, estudou, talvez até tenha entrado numa Universidade e tirado um curso superior. Talvez esteja agora à procura de emprego, ou a ganhar 700 euros por mês como funcionário num "call-center". Imagino que pode ter emigrado. Agarrou uma oferta de emprego na Inglaterra ou em Angola, em Espanha ou no Dubai, e lá foi ele. Tem saudades do sol, ou da praia, ou do bacalhau, ou dos fins de tarde na esplanada a comer caracóis e a beber cervejas com os amigos, mas sabe bem que aqui não tem futuro. Pode até ter entrado numa Juventude Partidária e estar a desbravar um futurozinho como político n

Os inimigos públicos

Como toda a gente sabe, foram finalmente terminadas as obras de  restauro da belíssima Igreja de São Vicente de Fora. É uma igreja muito ligada à minha família, por diversas razões, e fiquei feliz com a sua reabertura ao público. E, no entanto... houve uma notícia que, positivamente, me esmagou. Durante as obras de limpeza, foram removidas dos telhados da Igreja de São Vicente de Fora, nada mais nada menos do que quarenta toneladas de excrementos de pombo. 40 toneladas! De repente, assaltou-me a imagem das nossas cidades cobertas de excrementos de pombo. Os nossos edifícios coroados de fezes, as nossas estátuas manchadas de descargas intestinais. Lembrei-me de uma entrevista que li, há tempos atrás, com um vereador brasileiro de Curitiba que enumerava as doenças eventualmente transmitidas pelos nossos amigos pombos, com os quais eu até simpatizo, e que iam da salmonelose à ornitose, passando pela transmissão dos piolhos de pombos, ácaros que vivem nos seus corpinhos penugentos. Afirmav

Eleições e cupcakes

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Se bem me apercebi, houve hoje milhares de pessoas que tiveram dificuldades em saber o seu número de eleitor e, portanto, conhecer a sua mesa de voto. Na verdade, confesso que, por mim, não estava muito preocupada. Há trinta e três anos que sou eleitora, e uma eleitora assídua e responsável. Nunca falhei um acto eleitoral, consciente de que o meu voto, como o de todos, é importante e faz a diferença. E no entanto, este ano, a desmotivação tomou conta de mim. Seria a crise, anunciada desde há anos, e que, de tão insidiosamente instilada no nosso espírito, nos deixa sem capacidade de reacção a todos os abusos que vimos sofrendo? Seria a falta de perspectivas de melhoria, a quebra da esperança? Seria o aumento dos preços de todos os bens e serviços que não posso deixar de utilizar, por vezes sem o entender cabalmente, como no caso da gasolina? Seria a visão confrangedora do meu recibo de vencimento deste mês? Bom, talvez fosse tudo isto junto. A verdade é que não me apetecia ir votar. Pel

Gripe!

Pois é, tenho a  mania que sou uma mulher forte, que sou eu que determino o que me acontece, que sou o agente do meu próprio destino. Mas, de vez em quando, aí está a Natureza a mostrar quem verdadeiramente manda.  Algures, no final da semana passada, um vírus, silencioso e dissimulado, instalou-se no meu organismo. Começou a enviar pequenos sinais, um ligeiro mau-estar, uma cabeça pesada. A partir de domingo à noite, instalou-se a gripe, daquelas à antiga portuguesa, com todo o seu cortejo de sintomas desagradáveis: uma febre persistente, dores em todos os ossos, músculos, articulações, mesmo aqueles que eu não desconfiava que tinha, ataques intermináveis de tosse!... Há anos que não me lembro de ter uma gripe assim! Por mais que quisesse, o corpo não obedecia ao espírito, também ele bastante nublado! Só me apetece enrolar sobre mim própria, como os gatos, e ficar sossegadinha à espera que passe o mau tempo. Então, senhora que tem a mania que é forte, afinal quem é que manda?

Carminda

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Não tinha nada que jogasse a seu favor. Era velha, preta e gorda. E cada um destes adjectivos tinha uma carga negativa colada, era um rótulo recheado de preconceitos e ideias feitas. No entanto, Carminda era muito mais do que isso. Carminda, ou Minda, como lhe tinham chamado durante tanto tempo, tinha uma história de vida, sentimentos e emoções. Tinha uma família que não lhe ligava tanto como ela desejava, tinha um senhorio que lhe vinha pedir pontualmente o dinheirinho da renda, tinha duas vizinhas com quem trocava umas conversas sobre as doenças e o estado do tempo. Tinha recordações de tempos mais felizes. Também tinha pouco dinheiro, que gastava na mercearia, na farmácia e com o doidivanas do neto mais velho, que volta e meia lá ía a casa e que a conquistava com as gargalhadas súbitas que deixava espalhadas pela casa. Carminda arrastava os pés pela rua, na direcção da paragem do autocarro. Carregava apenas o saco que tinha ido encher à Instituição onde recebia o almoço diário, que