Morrer sozinho

Para mim, foi o caso da semana. Chocou-me mais do que as manifestações no Egipto ou os patamares insustentáveis a que chegaram os juros da venda da nossa dívida pública. Refiro-me, claro está, à descoberta do cadáver de uma idosa em Rio de Mouro, nove anos depois da sua morte. Um cadáver rodeado de outros cadáveres, do seu cão e dos pássaros que com certeza partilhavam a solidão desta idosa e que com ela partilharam também a morte.
Não vou entrar no jogo de acusações. Realmente, se uma vizinha e um primo apresentaram uma participação de desaparecimento já em 2002, não se compreende que o Ministério Público, ou seja lá quem for, não se tenha lembrado de ir espreitar à casa onde a senhora vivia, sozinha e numa idade já avançada. No entanto, como sabemos que a Justiça funciona muito mal neste país, eu ficaria surpreendida era se tivesse havido eficácia e celeridade nesta situação.
Mas o caso faz-nos reflectir. Esta senhora ainda teve pessoas que deram pela sua falta. Mas cada vez vamos sabendo de mais situações idênticas, de pessoas que morrem sós, sem ninguém lhes estender uma mão ou sentirem o seu desaparecimentto. Parece que não existem dados estatísticos sobre este fenómeno, mas todas as entidades afirmam que está a aumentar. Compreende-se. As cidades têm populações cada vez mais envelhecidas e cada vez mais isoladas. As famílias, quando existem, vivem longe, numa vida difícil que não permite um acompanhamento dos seus idosos. Na verdade, o que me choca neste caso, como nos outros idênticos, é a imagem de solidão que nos coloca à frente dos olhos. Não podemos continuar a fechá-los. Não podemos fingir que não vemos, que não sabemos o que se passa, que não é bem assim...
Neste Ano Internacional do Voluntariado, saúdo as associações que se aperceberam do problema e tentam dar algum apoio a quem vive só. Lembro aqui a Associação Limiar ou a Coração Amarelo. Mas penso que tem de haver um plano de apoio mais estruturado, uma política de proximidade, talvez organizada pelas Juntas de Freguesia. Era, provavelmente, uma maneira de dar um rosto humano e uma utilidade mais visível a essas instituições autárquicas.

Comentários

  1. Também vi a reportagem e fiquei igualmente chocada! E pelos vistos já não é o primeiro, que logo de seguida falaram de um de um homem de 30 anos a viver na Pontinha, de que também ninguém pareceu sentir a falta... durante 7 anos!

    Mas à parte a intensa solidão em que algumas pessoas vivem, ridículo mesmo é só terem dado com os corpos, devido às dívidas por pagar! Pelas pessoas, parece que ninguém pretende mexer uma palha, mas dinheiro é outra conversa! Estranho mundo este...

    Beijocas!

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  2. Uma situação vergonhosa que envolve várias instituições e também a família!
    Creio que em última instância devia ter sido a família a arrombar a porta!
    Havia mais do que indícios de que alguma coisa estava mal.
    Chocante, incompreensível, doloroso!
    Que pelo menos alerte as pessoas para este tipo de solidão!

    Abraço

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  3. É verdade, Teresa
    Inacreditável...sem palavras...
    bjs

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  4. Acho que não foi só para ti, que esta foi, infelizmente, a notícia da semana.
    Eu já por várias vezes tenho chamado a atenção, lá no meu blog, para a situação das pessoas de idade no nosso país - é uma imensa tristeza, depois de uma vida de sacrifícios, porventura, morrer assim, de solidão!

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