Da razão dos ursos não terem Alzheimer

O texto sobre o amor que escolhi para hoje é provocador, tal como é provocador o seu autor, Rui Zink. Mas levanta uma questão interessante: Qual será a melhor forma de amar? Provavelmente, esta pergunta não tem apenas uma resposta, tem tantas quantas as personalidades que lhe tentarem responder. Daí que eu proponha um exercício simples. Todos conhecemos pessoas que, em matéria de amor, se assemelham ao Louva-a-deus, ao Cisne e ao Urso Polar. Qual o estilo de amor com que mais nos identificamos?


Descobri, um pouco tarde, que afinal todos os meus livros são histórias de amor. Só que as daninhas estavam tão bem disfarçadas que eu próprio não tinha reparado.  O amor não salva, nunca salva, mas alguém tem uma ideia melhor? 
Tão sensacional descoberta levou-me a cogitar no seguinte: e qual será a melhor forma de amar? Carente de modelos reais na vida humana, decidi procurá-los na natureza. Com a ajuda da televisão, claro, Canal Odisseia, National Geographic, Canal Panda, essas coisas. Pode-se lá chegar à natureza, nos dias que correm, senão pela televisão! Três modelos logo me saltaram à vista: o Amor do Louva-a-deus; o Amor do Cisne; o Amor do Urso Polar. 
Após alguma esmiuçação, concluí que qualquer um me parece bem, e tem as suas vantagens e desvantagens. 
No romance do louva-a-deus, a fêmea devora o macho depois da cópula. É natural, toda a gente sabe que a gravidez estimula o apetite. E seria bem pior se ela o devorasse antes da consumação. 
O cisne acasala para a vida. É bonito. Lembra certos parzinhos que encontramos sobretudo na noite boémia, muito perfeitos, muito encapsulados, o mundo é deles, o mundo são eles. Gosto, mas como nunca experimentei sinto-me sempre um bocadinho do outro lado da vitrina, a definhar de inveja. 
Pronto, confesso. O que, esse sim, me toca profundamente é o amor do urso polar. É esquivo, dura pouco – pelo menos a parte do encontro. Urso polar e ursa polar namoram e acasalam brevemente, e logo se apartam, cada um para seu lado, para todo o sempre, a fêmea talvez com uma cria, o macho continuando a sua caminhada, glaciares fora, de nenhures em direcção a nenhures. 
Vai solitário e triste, o nosso urso? Talvez. Eu gosto de pensar que vai de coração cheio, e que a brevidade do encontro é compensada pela intensidade da memória. Tanto quanto sei, não há ursos com Alzheimer. 

Rui Zink, in "O Amante é Sempre o Último a Saber"


(Rui Zink, imagem do Google images)

Comentários

  1. Não aprecio insectos, alguns até me repugnam, por isso o Louva-a-deus está fora de questão.
    Já convivi de perto com Alzheimer, com ursos verdadeiros ainda não. Entre os dois não sei qual me mete mais medo.
    Por exclusão de partes... resta-me o cisne.
    :)

    ResponderEliminar
  2. Adorei o texto do Zink! :)

    Sem dúvida identifico-me mais com o cisne! Ou o cysne, como lhe chamava a Sophia... Do outro lado do espelho, a definhar de inveja, não é para mim! :D

    Beijocas e bom fim de semana!

    ResponderEliminar
  3. Como sempre está presente o refinadíssimo humor de Rui Zink!
    Mas de onde virá então a expressão "Fazer figura de urso"? :-))

    Abraço

    ResponderEliminar
  4. Como sempre está presente o refinadíssimo humor de Rui Zink!
    Mas de onde virá então a expressão "Fazer figura de urso"? :-))

    Abraço

    ResponderEliminar
  5. Acho que o extracto do texto do Rui Zink é sobre sexo, o amor é mais do que isso e ainda assim, para quem se interessar pelos exemplos do mundo animal, há muito mais por onde escolher, é só ver o que diz o George Stillwell em "Quando os macacos se apaixonam"...
    De todos admiro a fidelidade do pinguim real... mas também o seu ar de "dar nas vistas".
    Mas isso interessa pouco... fico ávido desta quinzena dos namorados!

    ResponderEliminar
  6. Parece que a preferência vai claramente para o cisne, para a fidelidade a uma pessoa e a um sentimento. Fico contente. Afinal, as relações humanas são das poucas coisas que podem aquecer um bocadinho estes tempos frios e incertos.

    ResponderEliminar
  7. O Rui Zink tem sempre uma visão muito própria de ver as coisas e este texto é mais um que me agrada.
    Quanto ao amor, gosto de pensar que um "cocktail" bem batidinho, com o que de melhor tem cada bichinho, seria, talvez... não sei... o ideal. Por enquanto, continuo como o cisne...

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

A Figueira da Foz e Jorge de Sena

Cigarros, chocolates e cigarros de chocolate

Sapos e outras superstições