Postal de Lisboa XIV - Os Cafés dos Poetas
Tal como noutras cidades europeias, há espaços em Lisboa que são indissociáveis dos poetas e escritores que os frequentaram.
O espaço que nos vem logo à memória é o café “Martinho da Arcada”, nas arcadas do Terreiro do Paço. As paredes estão cheias de invocações de Fernando Pessoa e dos seus amigos, com quem aí se encontrava. Ainda podemos ver qual era a mesa em que o poeta se costumava sentar. Mas encontramos também o mesmo poeta n’ “A Brasileira” do Chiado. Aí, a estátua de Fernando Pessoa senta-se comodamente na esplanada, parecendo olhar quem passa, como tantas vezes o terá feito em vida. No largo fronteiro ao Café, António Ribeiro Chiado, do alto do seu pedestal, aponta para o espaço com ar escarninho. É o poeta Chiado que, no século XVI, ao vir instalar-se nesta zona da cidade, acabará por lhe dar o nome.
Caminhando para o Rossio, encontramos a bela fachada do café “Nicola”, que o poeta Bocage frequentava e que chegou a nomear nos seus versos satíricos. Ao fundo do café, um quadro acompanhado da estátua do poeta de Setúbal não nos deixa esquecer que aqui se passou um episódio engraçado, que ficou para a História. Segundo se conta, Bocage teria sido interceptado por um polícia, em frente do café. Questionado sobre a sua presença ali, respondeu:
Eu sou Bocage
Venho do Nicola
Vou p’ró outro mundo
Se dispara a pistola!
É de salientar que, no século XVIII, o café Nicola era frequentado por um tal leque de intelectuais que tinha como alcunha “A Academia”.
Na zona alta da cidade, descendo do Príncipe Real para o Largo do Rato, encontramos a velha Pastelaria Cister, outrora frequentada por Eça de Queiroz. Numa das paredes está uma fotografia do escritor. Na pastelaria agora remodelada, a única parede que resta do Café original ostenta uma bela imagem em mármore de Eça de Queiroz, também presente num quadro do início do século XX. Aqui ele passou muitas tardes, nos tempos passados em Lisboa, talvez a caminho de Paris. Aqui escreveu ou cavaqueou com os seus amigos.
O Café é um hábito muito europeu. É, e continuou sendo por muito tempo, um dos locais de eleição para a reunião de amigos. No século XX, as mulheres apropriaram-se também desses espaços de convívio, ao mesmo tempo que se apropriavam também do seu lugar no espaço público e no mercado de trabalho.
Além destes cafés que referi, e que são bem conhecidos, em quantos outros se terão sentado, conversado, escrito, imaginado, os grandes e pequenos nomes da nossa literatura? Onde tomava o café Mário Cesariny? Onde escrevia Ary dos Santos? Onde se inspirava Al-Berto?
Na próxima vez que entrarmos num café, temos de abrir os olhos e apurar bem os sentidos. Talvez ainda se consiga ouvir algum eco poético a ressoar nas paredes.
Que interessante,Teresa e certamente há tantos e tantos outros a serem lembrados, não é? beijos,chica
ResponderEliminarTeresa,
ResponderEliminarFalta de modéstia nunca me faltou e ao ver essa foto do Martinho da Arcada lembrei-me, não do ressoar de nenhum poeta, mas de um outro ressoar tv mais recente do q aqueles q te referes.
Tinha os meus 20 anitos, andava na faculdade e como todos os meninos do Montijo, íamos para LX no barco das 7h00, tomávamos o PA no Martinho e depois seguíamos para as respectivas faculdades.
Naquele dia fui a última a chegar ao MA. Já na altura gostava de ter as coisas mais ou menos controladinhas e estava danada pq ninguém tinha esperado por mim e chovia a cantaros.Lembro-me que ia com uma amiga, a barafustar contra tudo e contra todos, quando entro no café. Literalmente caí, tropecei, entrei num trambolhão, mas ia tão zangada que nem dei conta que havia entrado e caído e continuava a resmungar, ajoelhada no chão. Escusado contar a risada geral. É desse ressoar que me lembro cada vez q passo por lá!!
Desculpa o tempo de antena.
Bj.
Chica
ResponderEliminarQuantos espaços haverá, nós é que não sabemos deles.
Bjs
Ana
ResponderEliminarAs nossas recordações agarram-se aos sítios, tal como as poesias.
Bjs
Mais um texto, de uma simplicidade, mas que nos transporta para outras dimensões, tanto no espaço como no tempo. O que tem de simples tem de belo.
ResponderEliminarDe facto, são lugares mágicos, quase que me atrevia a dizer, cheios de matafísica.
No meu caso, preferia a famosa, Pastelaria Bénnard e os seus célebres croissant de chocolate( os primeiros a aparecer em Portugal e de fabrico próprio, muito antes de aparecer a moda das Croissanterias).
Mudam-se os tempos, e aqui estamos nós a teclar, a escrever o que pensamos livremente, no fundo também constituimos uma "Academia Cibernaútica."
Apesar de tudo, não dispenso o contacto humano.
BJ
Teresa
ResponderEliminarJá tive o prazer e o previlégio de entrar em quase todos os locais que referiste.É especial, sim! Muitas vezes dei comigo a sentir vontade de pedir às paredes, aos quadros, às cadeiras e mesas, que me contassem as histórias que deles têm guardadas.
Beijinhos e obrigada por mais este excelente texto!
Foi muito gratificante ler este post, na medida em que por momentos deixei-me ir na ilusão de que as coisas ainda continuavam assim, ou de que existiam continuadores.
ResponderEliminarMas não, depois de há uns tempos (muitos anos) ainda ter conhecido figuras intelectuais em certos Cafés (o Gelo, por exemplo), os ecos que por lá existissem estão abafados por discussões sobre futebol e as "Gazetas" de antanho, são hoje pasquins de "bola" arvorada em Desporto!
Há 36 anos dizia-se que o Futebol era o ópio do Povo; mas agora, a 'substância' entorpecente refinou, sem se ver hipótese de reabilitação.
É impossível estar em qualquer lado sem esta ensurdecedora maçada de tema dominante, para além dos berros das televisões com aquilo em sessões contínuas!
As tertúlias,... viraram tortúlias!
Desculpem,... sei que
sou um 'chatarrão'.
Olhem este eco actual:
Eu sou Bocage
Venho do Nicola
Vais p´ró outro mundo
Se me falas de bola!
Apeteceu-me ter este eco contemporâneo!
Um abraço
César
A cultura brasileira também fora muito influênciada pelas obras fantásticas que nasceram nesses lugares! Por isso é tão interessante entender melhor os elementos das histórias que se misturam!
ResponderEliminarBoa quinta-feira!
Jr.
Gosto muito muito dos seus textos Teresa, são bonitos , clpassico , as palavras bem colocadas eo tema é apropriadíssimo a Portugal o berço da melhor poesia. Sabe que todo portugues tra a poesia no sotaque melodioso rsrs
ResponderEliminarMe encanta saber por onde esse poetas se entretiam nesses Cafés.Obrigada por trazer a alma de um F.Pessoa , Mário Cesariny ,Eça de Queiroz.
beijinho
-( recadinho) vê lá gosta da postagem "Olhares Viajantes ", ok?
Que belo "passeio" pelos cafés mais carismáticos de Lisboa.
ResponderEliminarA pastelaria Cister! Que saudades...! Era nela que me sentava muitas vezes, não para estudar, nunca gostei de estudar em lugares barulhentos, mas para com os meus colegas e amigos da faculdade, mesmo em frente, simplesmente divagarmos...
Abracinho
Maré Alta
ResponderEliminarA nossa Academia Cibernáutica também vive de recordações e reflaxões. Aqui estamos nós a teclar e a suspirar pelos croissants da Bénard!
Bjs
Maria João
ResponderEliminarSabes, adoro locais com história, onde, como tu dizes, apetece pedir às paredes que nos contam o que por lá se passou. E os cafés são dos sítios com mais história. Falei de três, haveria muitos outros: a Maré Alta falou na Bénard, o César no Gelo, eu acrescentaria a Versailles, porque não o Vavá, onde ainda poderiamos recordar o Fernando Tordo e o Paulo de Carvalho nos seus inícios de carreira. Tantas histórias!
Bjs
César
ResponderEliminarAdorei o seu comentário e fartei-me de rir com a ensurdecedora maçada de tema dominante! E a quadra de Bocage, rearranjada por si, maravilhosa!
Agora a sério, essas coisas também me aborrecem e tenho alguma alergia a cafés de centro comercial. Mas ainda nos conseguimos sentar em locais sossegados e encantadores, com uma história maior ou mais pequena, nesta nossa Lisboa. E, com alguns amigos, reinventar uma tertúlia à nossa maneira.
Bjs e volte sempre assim inspirado. Precisamos de sorrir, ou mesmo rir às gargalhadas.
Junior
ResponderEliminarAs culturas portuguesa e brasileira são irmãs, bebem nas mesmas origens, não é?
Bjs
Lis
ResponderEliminarAinda bem que és tu que dizes que Portugal é o berço da melhor poesia. Eu também acho, mas tenho vergonha de dizer. Deve ter a ver com a nossa herança árabe, a musicalidade das palavras.
(Já lá vou ver a postagem :)
Bjs
Mais um excelente roteiro de Lisboa, Teresa.
ResponderEliminarMaria Teresa
ResponderEliminarAinda bem que soube bem este passeiozinho :)
Bjs
Carlos
ResponderEliminarObrigada.
Enfim, o Carlos é que é o especialista em roteiros.
Bjs
Se me permite, aqui vai um excelente poema sobre a troika e Portugal
ResponderEliminarhttp://youtu.be/SGFqqzPhTwQ