Postal de Lisboa VI - Cais do Sodré

Cais do Sodré é um nome que evoca as mais diversas imagens. Para quase ninguém evoca o Duque da Terceira, personagem presente em estátua no centro da praça e que lhe dá o nome.
Para alguns, evoca os bares onde as noites se afogam nuns copos, bares da moda, bares de música mais ou menos alternativa, bares de prostitutas, bares de marinheiros. Nas imediações da Rua de S. Paulo, os bares, com as suas mesas e chão de mármore desgastado, ainda têm nomes evocativos como bar “Pirolito” ou bar “Salva Vidas”. O escritor Tiago Rebelo recorda o Cais do Sodré do final dos anos 60, onde, segundo se dizia, “o sangue corria nas valetas”.
Para outros, evoca o local de destino diário, o início do dia de trabalho, o grande interface de transportes urbanos, onde se cruzam os barcos que vêm da “outra banda” com os eléctricos e os autocarros que vão para Belém ou Algés ou qualquer outro destino, onde chegam o metropolitano e os comboios de Cascais, onde os carros e os táxis se atropelam. Para outros ainda, evoca apenas um fado antigo.
Há alguns dias, passava eu no dito Cais do Sodré e pensava precisamente sobre tudo isto. Não gosto de passar pela parte central, sempre cheia de gente. Atravesso sempre pelo jardinzinho, mais perto da beira-rio. Ali, as horas ainda são marcadas pelo velho relógio, protegido pela sua cobertura verde em meio cilindro, a condizer com as janelas em óculo das mansardas do prédio em frente. Tem um ambiente antigo, quase fora-de-moda, que contrasta com a grande estação ferroviária e fluvial ali mesmo ao lado. No centro, há uma escultura um pouco ingénua de homenagem ao “homem do leme”, aos marinheiros do Tejo. Nesta altura do ano, todo o jardim está pintado de branco e lilás, com as suas lantanas em flor. Num banco de jardim, está um taxista sonolento. E, mais à frente, junto a outro banco de jardim, três miúdos jogam ao berlinde. Não têm mais de doze anos e riem, enquanto discutem as jogadas. A cena parece tão fora-de-moda como o próprio jardim. No entanto, olhando à volta, parecem ser os únicos que não se preocupam com a crise, pelo menos naquele momento. Para eles, o Cais do Sodré evocará sempre outra coisa, só deles.
No meio do passeio fronteiro à Estação Ferroviária, está deitada uma mulher de idade indefinida, com uma taça de plástico à frente a induzir à esmola, que ela não pede. Que evocações serão as suas?

Estação do Cais do Sodré (Foto de Rosamelia)

Comentários

  1. Que curiosa coincidência, eu ter passado pelo Cais do Sodré, precisamente um dia antes de tu colocares estes poste. Por causa dos semáforos, pude estar a observar um pouco do local de que falas. Também é uma zona onde gosto passar e que nunca me cansa. Precisamente porque estou sempre de passagem.
    Bjokas

    Romicas

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  2. É verdade, a coincidência até calhou bem, a foto ficou bem com o texto, não achas?
    No entanto, continuo a dizer-te: uma cidade só se vê com calma, a pé. Precisa de tempo para se verem os pormenores, para nos deixarmos surpreender por alguma coisa que acontece num momento, que é irrepetível.
    Bjs

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  3. Teresa,
    Obrigado pela visita e pelo comentário. Quanto à música... ela é TODA tua...!!!
    O Cais de Sodré é sempre "algo nostálgico", boémio e... "enigmático"...!!! Adorava ir pró Bairro Alto e pelo caminho (Rua S.Pedro de Âlcantara, penso eu...) olhar de cima aquela "zona".
    Sempre me "fascinou"... !!!
    Por isso, agradeço-te o Artigo e as lembranças que trouxeste até mim...!!!
    Abração do
    Rui
    1lindomenino

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  4. Rui
    Então, lá vou postar o Tom Jobim; e que boas recordações esta música me traz, a mim e provavelmente a muitas pessoas da minha geração!
    Quanto ao Texto sobre o Cais do Sodré, ainda bem que gostaste. Também gosto, ainda hoje, de subir pela Rua do Alecrim, até S. Pedro de Alcântara, ao jardim que tem uma vista fantástica sobre Lisboa.
    Bjs
    Teresa

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