Postal de Lisboa XVII – As hortas na cidade

Uma das coisas que tem graça em Lisboa é a mistura de urbanidade e ruralidade. Provavelmente, tem a sua razão de ser nas vagas de migrantes internos que, pressionados pela necessidade laboral e económica, vieram viver para Lisboa e engrossar a população da cidade ao longo do século XX. Vieram, mas trouxeram consigo a nostalgia do campo onde foram criados, o hábito da horta ao pé de casa. E criaram as suas próprias hortinhas, onde era possível, nos terrenos baldios, nas bermas das estradas, nas encostas que levam às grandes urbanizações onde vivem. Todos nós já vimos estas hortinhas, espalhadas pela cidade. Têm uma cerca mal amanhada, uma barraquinha para guardar as ferramentas e utensílios daquela pequena lavoura, umas filas de couves a separar as batatas dos tomateiros. Aos fins de semana, logo pela manhã, vêem-se por lá os saudosos dos campos, de enxada em punho. Por vezes, estas pequenas hortas compõem a pobre ementa semanal de quem faz muitas contas para chegar ao fim do mês. Confesso que até eu já pensei ter uns vasinhos com salsa, cebolinho, funcho e outras ervas aromáticas a enfeitar a minha varanda.
Esta situação não surge apenas em Lisboa, claro. Há até cidades que disponibilizam terrenos específicos para cultivo e usufruto de quem quiser. Mas aqui, em Lisboa, assume um cariz um pouco anárquico e transgressor, que tem muito a ver com o nosso próprio carácter.
Mas nada me preparava para o que encontrei, em plena rua da Baixa de Lisboa. Na Rua do Cais de Santarém a necessidade e a criatividade juntaram-se e a horticultura invadiu os próprios canteiros dos passeios. E, junto das árvores, as couves e os feijoeiros cresceram viçosos, regados pela mesma água que limpa regularmente as ruas e passeios.


As fotografias que ilustram esta pequena crónica são já do verão de 2011. Mas não posso deixar de me interrogar se, com o crescimento da crise, com o avanço da inflação, com o aumento do desemprego, não iremos assistir à conquista das ruas por essa empreendedora horticultura doméstica.
Suspeito que, neste ano de 2012 que todos insistem em nos recordar que vai ser difícil, ainda vamos ver os nossos jardins transformados em graciosas hortas e as rosas substituídas por repolhos e couves-flor.
(Fotografias de Teresa Diniz)

Comentários

  1. As necessidades básicas do homem são a alimentação e a casa.
    Demos cabo da nossa agricultura.
    Agora descobrimos que precisamos de nos alimentar...
    O Porto ainda tem muitas casas com terreno onde uma hortinha é o "pão" dos seus proprietários ( e isto em pleno centro da cidade ).
    Mas não existem hortas dessas em plena rua...
    Parabéns pela magnífica postagem, Teresa.

    Um beijo.

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  2. Lisboa é uma cidade especial por isso mesmo!
    Junto do Colombo ainda há hortas e também em certos quintalinhos mesmo nas avenidas novas! :-)
    Eu cultivo ervas aromáticas, morangos e tomates em vasos!

    Abraço

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  3. Assim nos passeios de Lisboa ainda não vi, mas já tenho um vaso com salsa em casa. Experiência que não correu a 100%, mas ainda dá para umas omeletes... :)

    Beijocas!

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  4. Original e interessante forma de suprir dificuldades.

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  5. Pena é minha amiga, que a poluição ao redor dos centros urbanos contamine estas hortas.
    Mas afinal já comemos tudo poluído :(
    Nunca imaginaria ver Lisboa com este cheirinho :)

    beijinhos e feliz 2012!

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  6. Pois é, estas experiências agrícolas não acontecem só em Lisboa, vemo-las um pouco por todo o país. E suspeito que veremos cada vez mais.
    No entanto, nas ruas, em redor das árvores, nos canteiros, parece-me um bocadinho excessivo. Mas nunca se sabe o que o futuro nos reserva.

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  7. Posso comprovar que os "terrenos" em causa estão em pousio invernal... ou então terão recebido um subsídio de set aside... só não sei se os "arrumadores" que cuidam dessas hortas não se terão candidatado a um projecto no âmbito do PRODER.

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  8. Nunca pensei que houvessem destas hortinhas na cidade de Lisboa. Fantástico. :D

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