O Faroleiro
(Este texto integra-se no tema proposto para o mês de Março pela
Fábrica de Letras: O Silêncio)
- E incomoda-o, todo este silêncio?
O faroleiro pousou os seus olhos, azuis e transparentes, na jovem repórter que, de microfone na mão, esperava firme a sua resposta.
Quando a jovem telefonara a pedir uma entrevista, para uma reportagem que andava a preparar, pensou para consigo que não havia nada de interessante para contar. Agora, os seus olhos, de um azul límpido talvez de tanto olhar o mar, pousavam na jovem com estranheza. De facto, o que sabiam as pessoas das funções de um faroleiro?
Ele próprio não sabia muito bem, quando concorrera para aquele posto, já há quase vinte anos. Na altura, tinha vindo com a mulher e a filha, ainda pequenina, e tinham vivido todos na pequena casa junto ao farol. Tinham sido tempos de isolamento, mas também de felicidade. Depois, veio outro filho, os miúdos cresceram, precisavam de estar perto da escola, a mulher mudou-se para a vila, arranjou um emprego, e agora viam-se ao ritmo dos turnos do Farol.
Mas não era infeliz. Havia sempre muitas coisas para fazer. Já não era preciso subir os mais de cem degraus da torre, regularmente, para acender as luzes que avisavam os marinheiros dos perigos da costa. Agora, já era tudo automático. Mas havia que estar alerta, constantemente verificar se tudo estava ligado e a funcionar correctamente. Depois, havia que fazer as medições requeridas pelo Instituto de Meteorologia. Quatro vezes por dia, recolhia os dados relativos à temperatura, à humidade, à velocidade do vento, à altura das ondas, à visibilidade no mar e enviava-os. E havia sempre pequenas reparações para fazer.
Ouvia o barulho das ondas e habituara-se a distinguir os gritos das aves que nidificavam nas falésias. Às vezes, sentava-se à pesca e, se lhe fazia falta o som da voz humana, cantava alto, e os gritos das gaivotas e dos tentilhões respondiam ao seu canto. Depois, se o dia estava bonito, sentava-se numa rocha a ver o sol desaparecer na linha do horizonte, num cortejo de laranjas, vermelhos, roxos, até a noite cair.
Tinha sempre livros consigo, que trazia da biblioteca da vila. Gostava dos que descreviam aventuras no mar, marinheiros corajosos, exploradores intrépidos. Esses, lia-os uma e outra vez, e depois deitava-se, com o livro aberto sobre o peito, a sonhar de olhos abertos.
Olhou para o mar que se vislumbrava a toda a volta do farol. Havia tanta coisa que podia explicar àquela jovem jornalista. Por exemplo, podia contar-lhe que silêncio, mas silêncio mesmo, sentira-o quando os pais morreram. Entrou na casa que sempre tinha sido a sua, rodeado de pessoas que lhe diziam coisas que ele não ouvia, e as paredes cobriram-no com um silêncio espesso, que pousava nos móveis e nos objectos e os imobilizava, e lhe apertava o coração como uma garra.
De repente, percebeu que a jornalista estava a confundir o silêncio com a simples ausência da voz humana. A face distendeu-se-lhe num sorriso largo. Voltou a pousar os olhos azuis e transparentes na jornalista, que esperava a sua resposta de microfone na mão.
- Não, o silêncio não me incomoda nada.
O silêncio não incomoda quem está habituado a ele ou, ainda, quem vive dele. Adoro o silêncio e a solidão que me deixam pensar no que o rebuliço do dia a dia me faz não ver.
ResponderEliminarTeresa, um texto muito bonito e uma bela história. Adoro Faróis, falésias e o mar, claro! Adorei igualmente o seu pequeno conto. Pudesse o silêncio ser apenas a ausência de voz humana.
ResponderEliminarBeijinhos :)
Gostei muito de ler este texto.
ResponderEliminarRetrata bem a vida de um faroleiro, eles nunca estão em silencio, alguns não têm é companhia humana. Conheço bem o farol que está na foto, a minha mãe vive lá perto.
Bjocas
Patty
Não incomoda porque está habituado e aprendeu a lidar com o silêncio. pobres daqueles que têm de estar constantemente a falar e a fazer ruído, porque não conseguem estar com o silêncio do seu pensamento.
ResponderEliminarBelíssimo texto.
ResponderEliminarQuantos jornalistas o gostariam de assinar!
Parabéns, e à Fábrica também.
Bjs
Não podia concordar mais com o Johnny! Tristes daqueles que não conseguem estar com o silêncio do seu pensamento... é isso mesmo que penso. Pessoalmente, estava-me a ver a viver perfeitamente bem(mais que bem!!) num farol, sozinha... perto do mar e das minhas gaivotas, qual silêncio, qual carapuça... as pessoas confundem mesmo a ausência de voz humana com o silêncio. Talvez a pergunta devesse ter sido, como lidava ele com a solidão... :) Em relação ao texto, gostei bastante da originalidade da abordagem, parabéns. Beijinho
ResponderEliminarBrown Eyes
ResponderEliminarTambém gosto do silêncio, para mim é um alívio no meio da balbúrdia do dia-a-dia. Mas percebo que às vezes pode ser opressivo.
Bjs
Helga
ResponderEliminarGeralmente,chamamos silêncio à ausência da voz, porque é difícil haver um silêncio absoluto. Nós umas vezes sentimo-lo mais, outras vezes menos.
Também adoro o mar e as falésias :)
Bjs
Patty
ResponderEliminarÉ linda esta costa vicentina, com o Cabo Sardão, e as suas praias ainda tranquilas.
Obrigada pelas tuas palavras. Volta sempre.
Johnny
ResponderEliminarPois, como eu, que sou professora, sempre a falar e a aturar o ruído dos alunos. Às vezes, já nem sei se consigo pensar.
Carlos
ResponderEliminarObrigada pelas suas palavras. Vindas de quem vêm, têm para mim muito valor.
Bjs
Eva
ResponderEliminarTambém me dou bem com o silêncio, com o mar, com as gaivotas. Só não está bem em silêncio, quem não está bem consigo mesmo.
Obrigada :)
Bjs
Que linda tua participação,Angela! Sempre emocionas!beijos,tudo de bom,chica
ResponderEliminarChica
ResponderEliminarComo já nos conhecemos há muito tempo, perdoo-te termos trocado o nome :)
Bjs
O Silêncio dos faroleiros, bom tema, realmente é um silêncio sui generis que hoje em dia penso que esteja mais aliviado.
ResponderEliminarEl Matador
ResponderEliminarSim,hoje já é diferente, já têm acesso à internet, até. Mas há sempre algum isolamento e silêncio humano.
o Silêncio faz bem para alma.
ResponderEliminarNos deixa ouvir nossas emoções.
Sandra
Amiga Tereza, gostei do seu ponto de vista. Voltado também para a leitura. este silêncio taõ importante e que não nos incomoda.
ResponderEliminarCada um de nós vê no seu ponto vista está questão do silencio.
Acredito é que não podemos mais nos calar diante das injustiças. o Silêncio de todas as faces para as suas interpretações..
Para cada situação, uma maneira de ver as coisas..
Ele existe em todos os nossos sentidos de vida..
Seu trabalho ficou muito bom....Gostei.
Venha me visitar..Também estou participando. http://sandrarandrade7.blogspot.com
Deixo o convite para vim e ser mais um dos meus seguidores.
Carinhosamente,
Sandra
A escutar o silêncio do mar. Lindo Teresa. Mais uma vez!!
ResponderEliminarBeijinhos***
Muito bonito este texto. Afinal ele nem era um homem solitário, o silêncio do mar e das aves e do dia a dia acompanhava-o. Eu gosto do silêncio, e preciso dele. não estranho este homem, portanto.
ResponderEliminarBeijinhos
Sandra
ResponderEliminarÉ verdade que cada um de nós reage às situações de maneira diferente. Mas o silêncio faz bem à alma, concordo.
Já vou lá ver o seu post, também.
Bjs
Lala
ResponderEliminarEu diria, a conversar com os silêncios do mar e da falésia. Sim, é isso.
Bjs
Mel
ResponderEliminarConcordo, silêncio não é solidão. Também gosto do silêncio.
Obrigada e bjs.
O silêncio tranquilizaaa... =)
ResponderEliminarGostei*
Para mim o silêncio é um balsamo. Nem toda a gente o entende assim.
ResponderEliminar*
Os faróis sempre me fascinaram. Mas nunca pensei que um faroleiro sentisse silÊncio com todo aquele mar... Existem silêncios que não sendo silêncios nos incomodam muito mais.
ResponderEliminarTambém gosto do silêncio... e gostei muito do teu texto.
A propósito, o último farol que visitei foi o Farol da Baía Ponte da Barca - Ilha da Graciosa -Açores.
bjs
O silêncio é assim, tão cheio, tão sereno; ao contrário da ausência de voz humana...
ResponderEliminarGostei muito, muito mesmo.
Acho o texto magnífico.
ResponderEliminarPorque:
Esclarece muito bem o que é a rotina de um faroleiro sem a misturar com a contemplação.
Acentua a emoção de estar perante um colosso que é o mar da Costa Vicentina e o prazer e a emoção que essa perspectiva pode encerrar.
Não esquece as preocupações do quotidiano familiar.
Com uma enorme elegância responde à pergunta que a jovem desejou fazer e quase não conseguia.
Suadações
Ginger, Por entre o luar
ResponderEliminarConcordo, para mim o silêncio também é tranquilizador, um bálsamo. Talvez porque tenho pouco silêncio no meu dia-a-dia.
MZ
ResponderEliminarTambém gosto de faróis, acho que têm um simbolismo extraordinário. Mas esse da Graciosa não conheço (embora tenha estado na Graciosa há... 45 anos!)
Bjs. Volta sempre.
Há.dias.assim
ResponderEliminarOs silêncios do vazio é que nos oprimem.
Bjs
JPD
ResponderEliminarObrigada pelas suas palavras. Especialmente, vindas de alguém que tão bem escreve.
Bjs
Teresa
ResponderEliminarCada vez mais há menos pessoas que sabem tirar partido do silêncio. Vivê-lo como algo extremamente importante para não, nos ouvirmos, como e principalmente para ouvir e sentir o que acontece à nossa volta.
A gestão do silêncio é uma das situações mais complicadas de se viver. Porque às vez, também, não é fácil suportar o peso do silêncio que têm as palavras que ficam por dizer.
Muito bom o texto, parabéns!
Maria João
ResponderEliminarEu gosto do silêncio, gosto de ter a disponibilidade para sentir o que se passa à minha volta. No entanto, esse silêncio pesado, cheio de coisas por dizer, é verdadeiramente opressivo.
Bjs
Este texto chamou-me especial atenção, por estra neste momento a fazer uma reportagem sobre faróis e faroleiros. Obrigado pelos deliciosos momentos de leitura.
ResponderEliminarO silêncio também não me incomoda. Bem pelo contrário...
Oi Teresa
ResponderEliminarLi em algum livro que o silêncio é o nosso deserto e dele precisamos pra sentir a nossa medida diante da grandeza do universo.
Gosto de silêncio , sempre gosto e quando todos dormem e é bom dar aquela voltinha pela casa silenciosa , dá uma imensa paz. Se qusermos, claro! pode ser cruel tambem , depende de como estão os sentimentos.
Lindo texto, Teresa queria ser a jornalista rsrs
abraços
Carlos
ResponderEliminarEu é que agradeço a sua visita e comentário.
Volte sempre.
Lis
ResponderEliminarQue bela frase e tão verdadeira!
Também acho que sentimos o silêncio consoante o estado dos nossos próprios sentimentos. Eu também não me importava de ser aquela jornalista!
Bjs
UM TEXTO ENCANTADOR...HÁ PESSOAS QUE SUPORTAM MUITO BEM O SILÊNCIO...ESTÃO MAIS DESPERTOS PARA OUTROS RUÍDOS...A NATUREZA DIALOGA COM O HOMEM ...SÓ QUE ELE NÃO LHE DÁ OUVIDOS...
ResponderEliminarADOREI O AZUL DOS OLHOS DESSE FAROLEIRO...
BEIJO
Os teus textos são envolventes. Os teus óculos do mundo têm revelado coisas muito boas. E sem silêncios :)
ResponderEliminarBeijinhos
Pedras Nuas
ResponderEliminarE tu bem sabes que esse diálogo entre o Homem e a Natureza nem sempre é pacífico... mas tem de haver diálogo.
Bjs
Vagamundos
ResponderEliminarObrigada. Por aí também há quem escreva muito bem :):)
O silêncio, o mar as gaivotas encantam-me por momentos invejei o faroleiro.
ResponderEliminarBjs
Lilá(s)
ResponderEliminarNós que trabalhamos no meio do barulho, sentimos a tentação do silêncio.
Bjs
Teresa... já há muito que não aparecia. Tem havido entre mim e a escrita um "divórcio" algo forçado. Hoje senti vontade de percorrer caminhos áureos de quando a minha alma saltava de contentamento ao ler blogues como o teu. Sorri e um silêncio abraçou-me por dentro. Gosto do silêncio, sinto falta dessa melodia que entoa luz e sonhos em mim... Cai uma lágrima como se ela pudesse lavar algum caminho mais escurecido. Tenho saudades de sorrir com a alma...
ResponderEliminarCabo Sardão... :-) Conheço tão bem! Faz parte da minha existência e dos muitos sorrisos que espalhei naquele horizonte. Obrigada por este momento que hoje me devolveu algo que eu sinto estar a perder-se.
Um abraço de gaivota...*
Teresa,
ResponderEliminarcada texto teu é uma revelação de algo que todos conhecemos e, no entanto, sempre novo pela beleza das histórias. Mais ainda: há intensidade,emoção, entrega, paixão que sentimos porque tudo isso pertence à natureza da narradora.
Amei o teu "silêncio"
Fanny
ResponderEliminarEu sei que tens andado em guerra, não com a escrita, mas com a vida e contigo mesma. Ainda bem que ler o meu texto te fez bem. Confesso que, quando escolhi aquela fotografia do Cabo Sardão me lembrei de ti e do teu Alentejo :)
Bjs
Natália
ResponderEliminarQuem me conhece por dentro, como tu, reconhece essa ligação. Obrigada.
Bjs
"percebeu que a jornalista estava a confundir o silêncio com a simples ausência da voz humana."
ResponderEliminarHá muita gente que faz essa confusão...
Muito bom o teu texto e acertada a personagem de faroleiro para dar imagem ao silêncio.
Pinguim
ResponderEliminarSilêncio total, só na morte (acho eu!), de resto, ou o sentimos cá dentro ou então é uma ausência da voz humana, povoada de pequenos outros ruídos. Geralmente, estamos tão concentrados em nós que confundimos as coisas.
Bjs
Teresa, este texto lembrou-me o bom tempo que se pode passar numa falésia apenas a ouvir o som do mar e das gaivotas. Lembrou-me o verão que tarda em chegar e o cheiro das ondas.
ResponderEliminarGostei do pensar do faroleiro no intervalo entre a pergunta e a resposta. Muito bom
*
Catsone
ResponderEliminarPois é, talvez inconscientemente eu estivesse a chamar o verão!
Obrigada e volta sempre.
Olá!
ResponderEliminarGostei muito do texto...e tens razão, o silêncio é muito mais que a ausência de palavras. kiss
Adorei ler este texto e lembrou-me muito todos os livros que li de Nicholas Sparks. A ligação ao mar e todas as aprofundadas descrições. Muito bom mesmo :) vou seguir!
ResponderEliminarAR
ResponderEliminarAgradeço a comparação ao Nicholas Sparks :)
Ainda bem que gostaste.
Bjs e volta sempre.