Momento
(Este texto integra-se no tema "Beleza", proposto para o mês de Janeiro pela Fábrica de Letras)
A mulher abriu a porta do automóvel e dirigiu-se com dificuldade para a entrada do hospital. No guichet, a funcionária perguntou-lhe:
- Está muito aflita? Traz acompanhante? Precisa de cadeira de rodas ou acha que consegue andar? Diga-me só o nome e a morada.
Respondeu às perguntas e explicou que vinha com o pai. O marido tinha ficado em casa, com os dois filhos mais velhinhos.
- Pode entrar, o elevador é ali à direita. Sai no 2.º andar, eu vou avisar, a enfermeira já vai estar lá à sua espera.
Lá foi, andando com passos pequeninos, parando a cada contracção, tentando controlar-se. Eram 4 horas da manhã, o hospital estava vazio e os seus passos hesitantes ecoavam no corredor. No 2.º andar, a enfermeira já a esperava. Com os seus evidentes anos de experiência como enfermeira-parteira, tomou logo as rédeas da situação.
- Vamos ver como está a dilatação. Já tem três dedos de dilatação, já deve estar com bastantes contracções. Dê-me os exames, as ecografias. Vai à casa-de-banho e depois directamente para a sala de preparação. Vamos ligar o CTG.
Na sala de preparação, outras duas mulheres lutavam pelas novas vidas que se preparavam para nascer. Nem se olharam, cada uma concentrada na sua própria luta.
A mulher sentiu as águas rebentarem, uma torrente de águas quentes que parecia sair da própria dor que começava a cortá-la ao meio. Sentiu, mais do que ouviu, a voz familiar da sua médica obstetra. “Esta rapariga está cheia de vontade de nascer! Quase não me dá tempo para vestir a bata!” Tentou sorrir, mas só conseguiu suspirar de alívio pela presença da médica. Percebeu que a mudavam para outra maca, percebeu que estava na sala de partos, percebeu que lhe prendiam os pés nuns suportes elevados, percebeu que a auxiliar lhe calçava umas meias. “Não sabemos o tempo que isto vai demorar, não queremos que lhe arrefeçam os pés, não é?” A auxiliar apertou-lhe a mão, com carinho. “Isso, pode gritar à vontade!” Isso não tinha percebido, que estava a gritar. Onde estava a mulher que costumava ser, sempre tão controlada?
A enfermeira exclamou: “Não faça força! Não faça força ainda!” A mulher pensou que não estava a fazer força, era a filha que estava com pressa. “Agora vamos cortar um bocadinho, para a bebé não rasgar, está bem? Vá, agora é que é para fazer força!” Mas onde estavam já as forças? Pensou: “Não consigo! Já não consigo fazer força!” Cada dor era mais violenta e não a deixava concentrar no que precisava de fazer, que era fazer força. Um último esforço. “Pronto, já está. Muito bem, mãe, portou-se muito bem!”
Olhou pela primeira vez para a filha, ao colo da enfermeira. Chorava alto e estava vermelha e enrugada do esforço que fizera para nascer. No alto da cabeça, uns tufos de cabelo escuro, desgrenhado. A mulher pensou que não se parecia com ninguém. Só daqui a algum tempo ia começar a vislumbrar parecenças. “Tem os olhos da tia Joana” ou “O sorriso é igual ao do avô Eduardo”.
A enfermeira colocou a bebé sobre o peito da mulher, o que a fez sossegar e deixar de chorar. A mulher apertou-a docemente e sentiu que uma onda de ternura a avassalava e transbordava para aquele corpinho, tão pequeno, tão vermelhusco e enrugado, tão indefeso, tão seu, tão belo!
Só mesmo quem passou por isso, consegue entender a beleza do momento...tive dois partos normais e no segundo estive quase a morrer(mesmo!Se fosse aqui há uns anos,em casa, não estava aqui hoje), mas não trocava por nada... :)Beijo
ResponderEliminarDescreveste maravilhosamente uma real beleza que é a de ser mãe, a hora de ter, pela primeira vez, o filho nos braços e colo...LINDO e emocionante!Parabéns!beijos,tudo de bom,chica
ResponderEliminarFicou maravilçhosa tua participação!beijos
ResponderEliminarFarei duas leituras desta brilhante narrativa:
ResponderEliminar1º/ Um parto real; o protocolo fidedigno (Quem sou ara dizer tal. Nem ao nascimento da minha filha assisti!) A nota que saliento é de já estar banida aquela figura funesta da parteira que causticava as parturientes com o «Quando o estavas...não gritavas assim... Horrivel. Indiscritível!) É claro, uma criança quando nasce é um acontecimento único para os três: para ela, para a mãe e para o pai.
2ª/ Cada ano novo é uma viragem de calendário, uma esperança que nasce, eis a razão porque são tão falados os bébés das «Zero» horas.
A tua narrativa, podendo ser a primeira hipótese, e tão simplesmente essa, não ficaria mal se esta 2ª interpretação também tivesse sido pensada na tua edição. Suponho que sim.
Saudações
Tive a enorme felicidade de assistir ao nascimento da minha filha.
ResponderEliminarFoi mágico, se bem que cruel.
E acho que devia ser obrigatório, para todos os pais verem o que a mãe sofre...
Eva, Chica
ResponderEliminarQuem foi mãe, entende a beleza única daquele momento. Obrigada pelas vossas palavras.
Bjs
A maternidade é uma das belezas deste mundo, tão belo que, só as mulheres que, já foram mães, a entendem.
ResponderEliminarJPD
ResponderEliminarFicava bem dizer que sim, que pensei nisso tudo. Mas confesso que não. A Fábrica de Letras decidiu que o tema deste mês seria a Beleza e eu, que não tinha nada esboçado, dei comigo a pensar que os nascimentos dos meus filhos tinham sido os momentos mais belos da minha vida. Decidi fazer um relato de um parto porque, por vezes, a beleza mais pura está nos nossos olhos e nas emoções que associamos a certos momentos, independentemente do sofrimento ou mesmo da fealdade da realidade.
Bjs
Tony
ResponderEliminarEu acho que todos os pais deviam assistir ao nascimento dos filhos, não para verem o que a mãe sofre, mas para respeitarem mais o milagre da vida. São momentos mágicos.
Bjs
Brown Eyes
ResponderEliminarSim, as mulheres que já foram mães entendem com certeza melhor a magia do momento, com um saber feito de experiência. Mas creio que todos compreendem a beleza destes momentos.
Bjs. Volta sempre.
Eu sempre tive um enorme respeito pelo papel de uma Mãe a dar à luz; mas agora "vi" como pode realmente ser tão belo!
ResponderEliminarParabéns a ti e a todas as Mães.
Querida Teresa,
ResponderEliminarli avidamente o teu belo texto. Não só porque desconheço o que é a maternidade, mas também porque descreve magistralmente o momento de se ser mãe. É um autêntico milagre! Mas este é real e explicável. Disseste-o tão bem!!!
Por tudo isto,o teu texto é, em si mesmo,a BELEZA. Sim, Teresa! Também ele se integra no tema proposto pela Fábrica das Letras.
A BELEZA encontra-se onde menos esperamos. Eu encontrei-a nas tuas palavras tão bem "acomodadas" como a menina recém-nascida que colocam no colo da mãe.
Parabéns!
Pinguim
ResponderEliminarAinda bem que viste essa beleza. Quer dizer que consegui atingir o meu objectivo.
Bjs e volta sempre.
Natália
ResponderEliminarObrigada pelas tuas palavras, sempre tão carinhosas. A beleza, aqui, é do milagre da vida e da bebé, bela apesar de tudo.
Muitos beijinhos para ti.
Quando soube do tema proposto para este mês pela Fábrica de Letras, dei comigo a interrogar-me - que escrever?
ResponderEliminarLeio o seu texto.
Que mais sublime e belo há do que a luta de mãe e filho (a)na conquista de uma nova vida!?
Parabéns, Teresa, a sua participação enriquece a nossa Fábrica de Letras!
Bjs
EU NUNCA FUI MÃE,MAS PELOS RELATOS QUE JÁ OUVI PUDE CONSTATAR QUE ISTO DEVE TER SIDO MESMO REAL...ASSISTIMOS A UM PARTO...HÁ LÁ COISA MAIS BELA?! O NASCIMENTO DE UMA CRIANÇA!!!É A VIDA A DESABROCHAR...RESTA SABER SE ESTA MÃE TEM A VOCAÇÃO PARA O SER...MÃES HÁ MUITAS,BOAS MÃES É QUE ....
ResponderEliminarGOSTEI MUITO DE TE LER,AINDA BEM QUE ME DISSESTE...FOI UM PRAZER "VER" O PARTO!!!
BEIJO
Sem duvida um momento cheio de magia e beleza...
ResponderEliminarBom Ano
Bjs
Carlos
ResponderEliminarEu também fiquei um bocadinho perdida quando vi o tema para este mês, até porque tinha votado na Velhice! Mas decidi rapidamente, acho que o nascimento é um momento muito especial, terrível mas belo. Gosto muito de ser mãe - nota-se, não é?
Bjs e espero que esteja a recuperar a todo o vapor!
Pedras Nuas
ResponderEliminarEssa é uma realidade que me aterroriza. Como é que uma mãe pode atraiçoar a sua função, tão bela?
Ainda bem que conseguiste chegar aqui.
Bjs
F. Nando
ResponderEliminarMomentos de magia e beleza, como os das tuas fotos, que tanto gosto de ir espreitar.
Bjs e Bom Ano
Teresa, bom ano novo.
ResponderEliminarMas que conto emocionante, muito bem escrito e descrito.
Um bjao
Olá, Teresa
ResponderEliminarmais do que beleza, é magia, é milagre. É aquele momento, que por muitas vezes que se repita, é sempre único, ímpar.
Georgia, Ana
ResponderEliminarÉ emoção, é magia, é milagre. É um momento!
Bjs e bom ano, também.
Dói como caraças, mas lá que é um momento lindo, lá isso é. :')
ResponderEliminar*
Ohh pá eu sou uma molengas nestas coisas!!! fiquei toda arrepiada e com os olhos rasos de lágrimas...está tão bonito, e calculo que muito real. Eu só conheço o processo até à chamada sala de dilatação, porque apartir daí n aconteceu mais nada, não tive essas dores horriveis, mas tb não tive esse privilégio de sentir os meus filhotes acabados de sair de mim em cima do meu peito..e tenho muita pena. Sou três vezes mãe, mas de cesariana, por isso partos vividos de outra forma, emoções essas vividas com essa mesma grandeza do teu texto.
ResponderEliminarBeijos grandes
Não há outra forma de explicar a beleza do momento que não seja esta: a real! É lindo. Enquanto lia, lembrava-me eu da madrugada em que nasceu a minha "C". Felizmente o meu parto tendo sido natural (tudo como manda a lei da natureza) as dores quase não as tive... aliás, adormeci durante a dilatação!! Mas não há nada mais bonito do que ver ou sentir a nossa cria nascer (saidinha da nossa pança)!
ResponderEliminarParabéns pela descrição!
Gingerbread
ResponderEliminarA minha ideia foi mesmo mostrar como a beleza pode surgir mesmo no meio do sofrimento.
Bjs
Oh, Mel,obrigada pelas tuas palavras.
ResponderEliminarEu também sou uma sentimental, mas, de parto natural ou de cesariana, são sempre momentos especiais, não é?
Beijinhos para ti.
Lala
ResponderEliminarÉ verdade, é um momento lindo (embora geralmente as dores sejam mais do que muitas!)
Volta sempre. Bjs
É realmente o momento de beleza primordial. Bem escrito, gostei.
ResponderEliminarEl Matador
ResponderEliminarObrigada pelas palavras, Volte sempre.
Para além da beleza do momento é a qualidade e a estrutura narrativa que lhe realçam a beleza. às vezes escrevemos bem outras nem por isso, mas a Teresa consegue manter uma qualidade narrativa em alta, de post para post. Além deste, dei uma olhadinha nos outrso post. Lê-la é fazer uma viagem pela cultura.
ResponderEliminarOlá Luis
ResponderEliminarObrigada pelas suas palavras. Vindas de quem vêm, um escriba de reconhecidos talentos literários, têm um valor acrescido.
Bjs
A beleza encontra-se num acto que aparentemente complexo, torna-se tão simples... sendo um sentimento...
ResponderEliminar:)