Um triste balanço






O final do ano é, tradicionalmente, a altura de fazer balanços. Pensamos sobre o que correu bem ou mal, procuramos explicações, fazemos novas resoluções. Isto é válido para nós, individualmente, mas também enquanto membros de uma sociedade. Como mulher, custa-me particularmente o balanço anual sobre a evolução da violência doméstica em Portugal.
É difícil dizer se a situação, em Portugal, tem evoluído no sentido positivo ou não, porque há um número crescente de queixas, que nos leva a pensar que muitas situações que ficariam ocultas, são agora denunciadas. Em Portugal há mais de 20 mil queixas por ano, registando as forças policiais uma média de 2.312 queixas mensais (dados do Relatório Anual de Segurança Interna de 2008). É mais do que antes? É menos? Seja como for, é muito. Especialmente se pensarmos que, em média, e segundo um estudo norte-americano, as mulheres só denunciam a situação de violência após 35 incidentes. Porquê? A presidente da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, Teresa Féria, explica que a demora em denunciar o crime se deve ao medo, pois o agressor é normalmente o homem em quem já se confiou e amou e, muitas vezes, o pai dos filhos. O medo mistura-se com a esperança de que "as coisas vão mudar", daí o tempo decorrido até se denunciar a situação, refere João Lázaro, secretário-geral da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que acrescenta que "há todo um relacionamento e carga afectiva envolvidos".
Muitas vezes, a denúncia chega tarde demais. Neste ano de 2009, desde Janeiro até Novembro, foram mortas 25 mulheres em Portugal, vítimas de violência doméstica, o que dá uma média um pouco superior a duas mulheres assassinadas por mês. Impressionou-me também o facto de serem cada vez mais jovens. Segundo dados da União de Mulheres Alternativa e Resposta, as 25 mulheres assassinadas este ano, até Novembro, tinham menos de 35 anos. Isto deve fazer-nos pensar. O que está a fazer a sociedade? E a Escola? Que valores estamos a transmitir aos nossos jovens? 
Eu sei que este problema não é de agora. Nem é apenas do nosso país. Mas é altura de encarar seriamente as questões que se relacionam com a igualdade de género e o uso e abuso da violência. Numa época em que as mulheres acedem em massa ao mercado de trabalho, em que repartem as responsabilidades da esfera pública com os homens, em que a escolarização é idêntica à masculina (no nosso país, a percentagem de raparigas no ensino universitário é até ligeiramente superior à de rapazes), há situações que já não podem admitir nem desculpar.



(Em memória das mulheres assassinadas por violência machista
 Léon-Espanha Agosto de 2009)

(Fotografias de Teresa e Fernando Ferreira)

Comentários

  1. Essa é uma rflexão de pessoas que pensam realmente nas melhoras do mundo, como tu...Em todos os lugares, creio, há muiiiiiiiiiiiiiiiiiito a melhorar em vários aspectos e esse, sem dúvida é um deles. Um beijo,tudo de bom,chica

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  2. Um assunto complicado para quem é vítima desta violência. Contudo, concordo contigo. É inadmissível não denunciar, não defender...deixar que este tipo de atitude caia na rotina diária de uma mulher até que um dia tudo acabe e se transforme num velório...
    É realmente triste!

    Teresa, continuação de boas festas para ti e para toda a tua família.
    Um abraço

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  3. Chica, Paula
    Obrigada por partilharem comigo esta reflexão. Não podemos permitir que estes assuntos caiam na banalização ou no esquecimento.
    Bjs e continuação de Boas Festas.

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  4. É bem verdade que a chaga da violência doméstica existe.
    Mas também é verdade que hoje, as vítimas estão mais protegidas e são mais informadas.
    Não chega, eu sei.
    O problema é sobretudo de mentalidades: aquela ideia peregrina de o homem ser o dono da mulher, difícil de apagar. E que nem a escola tem conseguido combater...
    Resta-nos esperar por melhores dias.
    Um Ano de 2010 muito feliz!
    Tony.

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  5. Olá Teresa.
    É bom não esquecer estas situações!
    Penso, que muitas vezes este tipo de violência, começa quando uma das partes quer fazer prevalecer sobre o outro os seus gostos, as suas formas de estar e sem partilhar com o seu ou a sua parceira as responsabilidades do dia a dia. Tais como, o simples levantar de uma mesa, o mentir, o manipular,o impor, etc., a título de exemplo.
    Nem é preciso chegar propriamente à violência física infelizmente.
    É bom lembrar, que existem outros tipos de violência, a psicológica, a verbal, etc. e igualmente graves.
    Bj
    Astro Rei

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  6. Olá Tony
    Tem razão, claro, o problema reside na mentalidade que, como sabemos, é o factor de mudança mais lento. Mas o que me impressiona é saber que estas situações continuam a existir na população mais jovem, que já deveria ter outra mentalidade.
    Esperemos que 2010 nos traga, também aqui, melhores notícias.
    Um bom ano para si e para a sua família, também.
    Bjs

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  7. Olá Astro-Rei
    É verdade, existem muitos tipos de violência, e que se exercem em vários sentidos: do homem sobre a mulher, da mulher sobre o homem, sobre os filhos, sobre os idosos,...
    Mas aquele tipo de violência específica sobre as mulheres tem a ver com o exercício da força física. Infelizmente, é o argumento de quem não sabe utilizar outros.
    Bjs

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  8. Olá, Teresa

    Um problema de mentalidades que cabe a todos e cada um de nós dar o seu contributo para o alterar. No entanto, convém não esquecer a violência doméstica psicológica, tão grave quanto a física mas com a "vantagem" de não deixar provas "fotografáveis".

    Bj

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  9. Teresa, sou, como tu, professor e todos os anos comemoramos o Dia Internacional da Mulher no meu departamento. E todos os anos, esta comemoração envolve o alerta para o problema da violência doméstica.
    É escandaloso que continuemos a pactuar com este cancro da nossa sociedade. Dizemo-nos civilizados e pactuamos com situações inadmissíveis em termos éticos.
    Crianças e mulheres são diariamente violentadas por "machos" destituidos de sentimento e de razão.
    Vivo e trabalho no Minho, onde o álcool continua a ser consumido e incentivado. Os nossos governos fazem-nos pagar 19% de IVA sobre um par de sapatos e 5% sobre um garrafão de vinho. O que é isto??? Ao fazer isto, os nossos governos estão, indirectamente a pactuar e incentivar a violência doméstica.
    A violência é sempre absolutamente estúpida, mas quando é permitida e até incentivada, deixam de haver palavras para a adjectivar.
    E não esqueçamos que esta violência não envolve só "porrada". Estas 25 mulheres foram vítimas da estupidez mais atroz. Mas milhares de outras são diariamente humilhadas e as suas vidas são estragadas por atitudes abomináveis de "seres humanos" que talvez nem mereçam tal designação.
    Um abraço, Teresa!

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  10. Um flagêlo, a violência doméstica.

    Os registos de mortes, em Portugal acalentam preocupação.

    Não será a crise a indutora.

    Ha pessoas intrinsecamente más.

    A única solução para os problemas é fisica.
    Lamentável.

    Bom ano 2010!
    Saudações.

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  11. Ana
    É claro que a violência psicológica é terrível, mas a outra mata mesmo!
    Bjs

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  12. JPD, Manuel
    Não sei se as pessoas são intrisecamente más. Mas não há dúvida que há uma mentalidade que desculpabiliza a violência doméstica, acho até que está em crescimento um novo machismo, de contornos um pouco diferentes, ligado ao valores de alguma juventude, e que é assustador. E depois, há o problema do álcool, é verdade, não vamos esquecer que a maioria dos crimes são praticados por homens alcoolizados. E o consumo de alcool é plenamente aceite e até incentivado, na nossa sociedade. Quando começa a ser mal visto, já é tarde.
    Bjs

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  13. sim. tempo de balanço.

    votos de um excelente novo ano :)

    beijo

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  14. Olá Teresa.
    Não esquecer que a vilolência psicológica qunado exercida também conduz à depressão e posteriormente também mata.
    Por vezes, lamentavelmente, coexistem as duas a psocológica e a física.
    Não pensemos que são apenas pessoas alcoolizadas que têm estes tipos de comportamentos.
    Infelizmente, temos que pensar que o egoísmo atroz de alguns e o sentimento de propriedade em relação ao outro, tudo isto combinado, com alguma vaidade e desiquelibrio. Podem ser armas apontadas ao alvo mais frágil.
    Pensando no velho ditado que passo a citar, "quem mora no convento é que sabe o que vai lá dentro".
    Astro Rei

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  15. Oi querida Teresa
    Dando um pulinho aqui, pra deixar meu abraço de fim de ano , aproveitar seu texto e desejar que situaçoes de violência sejam desmanchadas pela consciencia do amor ao próximo.Que a paz reine no proximo ano, se nao de maneira total ,mas que prevaleça.
    Falar de violencia aqui no Brasil , particularmente onde vivo ,no Rio de Janeiro é fazer doer muito o coração. E hj estou bem , quero paz.
    Entao, mando o meu abraço bem carinhoso e te vejo no ano que vem.
    meus abraços

    por acaso, recebeu a encomenda? aqui,nada ainda. O oceano é vasto, vamos aguardar, rsrs

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  16. Marta
    Tempo de balanço, pois!
    Bjs e bom 2010.

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  17. Astro-Rei
    Tem razão, provavelmente fiz generalizações. Mas não há dúvida que, quando falamos destas coisas, temos de olhar a números, médias, percentagens. Claro que atrás de cada número estão pessoas e casos diferentes. Nem todas os homens que matam mulheres estão alcoolizados. Mas os números indicam que a maioria está, por isso, podemos actuar aí. E há também os casos, tristes, de violência psicológica que levam à depressão e daí à morte, às vezes por suicídio, como tão bem aponta. Infelizmente, esses nem entram na estatística!

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  18. Querida Lis
    Pensei que já tinhas ido de férias!
    Pois, falar de violência no Rio de Janeiro!....
    Ainda não recebi a encomenda, logo que receber aviso-te. Eu sei que o oceano é vasto, mas terão atravessado a nado?!
    Boas Férias e um ano de 2010 cheio de saúde, paz e alegria. Bjs

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