Natal na Quinta

(Continuação da saga iniciada na primeira edição da Fábrica de Letras)


E o Natal chegou outra vez à quinta. Já havia luzinhas penduradas no estábulo e no galinheiro e, dia sim dia não, o coro dos gatos de telhado ensaiava os seus cantares natalícios. O Preto também fazia parte do coro e chegava a casa inspirado, ainda a cantarolar “I’m dreaming of a white Christmas”, o que fazia sempre a Branca soltar uma gargalhada. “Para que queres um Natal branco? Para te verem melhor?”
A Branca, pelo contrário, não cantava, só fazia contas. “Tenho de encomendar as postas de atum fresco para a Ceia! Está tão caro o atum!” comentava com as outras gatas da quinta. Além disso, havia que comprar as prendas. Os três filhos, agora já crescidinhos, tinham feito a lista para o Pai Natal. O Máximo, o mais velho, queria uns ténis caríssimos e passava o dia a resmungar que o tempo do Gato das Botas já lá ía há muitos anos! O mais novo, o Mínimo, queria uma “Playfarm” e insistia, que todos os amigos tinham uma, que queria jogar também!... E o do meio, o Manuel António, queria uma anilha nova, topo de gama, como as dos amigos pintos. E estava a ser difícil explicar-lhe que os gatos não usam anilhas!
As vizinhas da rua de trás, do galinheiro, também não ajudavam. Cada uma queria fazer melhor figura do que a outra e então, punham-se a pendurar fitas brilhantes e bolas coloridas nos poleiros, até o galinheiro parecer mais um circo do que um galinheiro. E, enquanto penduravam as bolas e as fitas, davam bicadas umas às outras. O Galo, às vezes, fazia de conta que não ouvia as galinhas. Quando o barulho começava a ser exagerado, fugia com o gato Preto para o coro, desculpando-se: “Parece que precisam lá de um tenor!”
Até que a Branca miou mais alto: “Basta! Estou cansada desta confusão toda! Quero aqui a família toda para a ceia, mas sem confusão e sem pintos à mistura!” Ficaram todos em silêncio e em sentido, porque quando ela se zangava ficava uma leoa.
E assim chegou a noite de Natal. E comiam todos sossegadamente o seu atum, lambendo os bigodes, quando ouviram um leve arranhar na porta. O Máximo foi abrir e viu uma galinhola, deitada na soleira da porta, com uma asa e uma pata feridas. Arquejava, mas foi explicando: “Peço desculpa por incomodar, mas fiquei presa numa armadilha lá para os lados do açude e não consigo voltar para casa. Já fui bater à porta do galinheiro, porque os pintos ainda são meus primos, mas eles estão tão entusiasmados a festejar que não me ouvem!” A Branca já estava a ajeitar mais um banco, junto do lume. “Venha para aqui, está mais quentinho!” E, enquanto partilhavam os lugares e os manjares da ceia, a Branca pensava que ali o Natal estava mais vivo do que no galinheiro, todo enfeitado.


Comentários

  1. Que lindo! gostei, se a minha gata sabe disto também entrar na história, adora atum.
    Bjs

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  2. Lilá(s)
    Parece que todas as sagas saem em triologias. Diz-me o nome da tua gata, pode ser que ela apareça no próximo episódio!
    Bjs

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  3. Natal dos gatos, galinhas e afins? Para os comerciantes isto seria óptimo.

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  4. Este texto pretendia ser uma brincadeira, ou uma alegoria. Lamento que não tenha sido entendido assim. É possível dizer coisas sérias a brincar. Não é preciso construir sempre histórias de faca e alguidar.

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  5. Eh eh eh

    Olha eu ver um pinto a entrar-me por aqui adentro a perguntar-me se podia experimentar o casaco da montra! =D

    *

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  6. Teresa,
    Um texto que provoca desassossegos! Obriga a reler, e a pensar.
    A Branca pensou, e pensou bem!
    Como ela também eu não gosto de galinheiros todos enfeitados, que é o que mais há por aí...
    Bjs

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  7. A tempo.
    Reparei que somos operários da Fábrica de Letras.
    Hoje, ou amanhã, deverei lá publicar umas Barbas.
    Bjs

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  8. Ginger
    Se for um casaco de penas, penso que é possível!
    Bjs

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  9. Olá Carlos
    Ainda bem que percebeu o sentido do meu texto. Há por aí muitos pintos e muitas galinhas...
    Já tinha visto que somos operários na mesma fábrica. Lá irei ver as suas barbas, com certeza!
    Bjs

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  10. Parece então que como se diz cá na min ha terra "os galinheiros são mais que as mãs!" Há poizé, é olhar em volta e ver "galinhas" a arrancar penas da própria cabeça só de pensar que o galinhneiro da vizinha tem mais uma fita que o seu! É fugir!!
    Beijinho e Boas Festas

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  11. Mel
    O que há mais por aí são galinhas e pintos! Temos de ser corajosas para resistir à pressão, especialmente nós, mães de adolescentes!
    Bjs

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  12. O que conta é mesmo o espírito do Natal!
    Bjs

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  13. Pois é, F. Nando
    Pena é estar soterrado em Popotas e papéis brilhantes.
    Bjs

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