Uma viagem de autocarro


Começo por declarar que não gosto nada de viajar de camioneta. Não tem a comodidade do automóvel, nem a rapidez do avião, nem a beleza cénica do navio, nem o romantismo do comboio... Mas, às vezes, tem de ser!
Um dia destes, tive de fazer a viagem de Viseu para Lisboa de camioneta. Sem problemas, os autocarros da Rede Expressos são cómodos e modernos. Mas nós somos portugueses, os problemas arranjamo-los nós! E começaram logo em Viseu. Havia pessoas sentadas nos lugares que estavam destinados aos que entravam em Viseu.  No meu, estava um homem com umas canadianas que me disse, de má catadura, que dali não saía. Encolhi os ombros e perguntei ao motorista se podia sentar-me noutro lado. Ele respondeu que sim, até Coimbra não havia problemas. O que me fez temer o pior na paragem de Coimbra!
Em Coimbra, tivemos todos de descer e mudar de camioneta. As pessoas precipitaram-se para a porta, procurando ocupar os mesmos lugares no novo autocarro. Algumas pessoas iniciavam a viagem em Coimbra e não participavam da precipitação. Eu também não, gosto mais de observar!
Duas senhoras, de meia-idade muito cuidada, transportavam três malas, encantadas com a ajuda de um rapazinho, surgido sabe-se lá de onde. O rapazinho era um exemplo de educação e disponibilidade: "Eu puxo a mala! Quer que lhe ponha a mala lá em baixo?" E elas tão contentes! "Ainda há meninos bem educados!"
Lá dentro, a confusão estava instalada. Aparentemente, no Satão tinham vendido os bilhetes sem marcação de lugar e agora achavam que não tinham de ceder os lugares que tinham ocupado. Mas os viajantes entravam de bilhetes na mão, a exigirem os lugares que eram seus por direito. Uma senhora dizia que tinha as pernas pequeninas e não podia ir nos lugares vagos, lá atrás, com as pernas penduradas! Os do Satão lideravam a rebelião! Recusavam-se a levantar e a mudar de lugar. Nem que viesse a polícia!
Os de Coimbra exigiam os seus lugares. A senhora das pernas pequeninas reclamou a intervenção do motorista que veio impor a ordem. Os lugares marcados eram para cumprir e ponto final! Mas os do Satão eram aguerridos e não arredavam pé! O motorista bradava que, se não estavam satisfeitos, fizessem uma queixa para a empresa. E, se não chegassem a um acordo, punha toda a gente fora do autocarro, para entrarem por ordem!
Finalmente, todos se acomodaram. A senhora das pernas pequeninas conseguiu o seu lugar, outros ocuparam os assentos livres sem mais confusão. O meu vizinho do lado ainda tentou filosofar comigo, acerca da necessidade ou não de marcar lugares nos transportes públicos. Mas eram 11 horas da manhã, ele cheirava a vinho, e não lhe dei conversa.
Lá fora, as duas senhoras de aspeto requintado conseguiram por fim ver-se livres do rapazinho educado e da mãe, uma cigana que, também educadamente, lhes exigia dinheiro pela ajuda do filho.
Lá seguimos viagem, com as pessoas ainda a comentarem as peripécias de Coimbra. Os farnéis começavam a aparecer e a disposição a melhorar.
Entretanto, o motorista ligou o ar condicionado, para arrefecer os ânimos e baixar o metabolismo da malta, e a maioria dos viajantes dormitou até Lisboa. Eu não precisava de baixar o metabolismo, pelo contrário, tiritava de frio enquanto tentava ler o meu livrinho. Felizmente, por alturas de Torres Novas, uma das senhoras de Coimbra lá conseguiu sensibilizar o motorista que, por birra, desligou o ar condicionado.
Cheguei a Lisboa constipada, aliviada, e divertida. Em Portugal, uma viagem nunca é monótona. Mesmo uma simples viagem de autocarro!...

Comentários

  1. Vindo eu, vindo eu, para Lisboa de Viseu...
    :)
    Se não fossem essas peripécias, que tão bem descreveu, a viagem tornava-se monótona e nós perderíamos este belíssimo "post".
    Atchim!
    :)

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  2. Uso bastantes vezes o Expresso mas em viagens mais curtas e menos atribuladas! :-))

    Abraço

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  3. Divinal, este post! Como passageira que já fez um nº considerável de viagens de autocarro (a maioria bem longa, de trás os montes a lisboa...) também tenho imensas peripécias do género para contar. Viagens destas são sempre uma aventura, dispensam a necessidade de teatro, cinema e novela! Muito bem relatado, fartei-me de rir ;)

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  4. Eu gosto de ir observando o que se passa à minha volta... Se não fossem estas peripécias, as viagens eram mesmo uma monotonia!
    Beijos

    O meu computador está a entrar em coma. Se eu desaparecer temporariamente da blogosfera, essa é a razão.

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  5. Oi Teresa
    Quando não dá pra evitar, também uso os ônibus interestaduais que são bem assim mesmo,divertem! rs me identifiquei com a cena 'tentando' ler...
    Pelo interior entao entram pessoas com sacolas enormes, as vezes até com animais e são bem espontâneas _ falam alto,gesticulam,contam casos,são totalmente over rs e a viagem enfim termina... rs
    Gostei também dos posts anteriores.
    um abraço grande Teresa

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  6. Também não gosto nada de andar de camioneta.Devo dizer que é mesmo o transporte em que tenho medo de me meter, porque há motoristas completamente loucos.
    Não haver marcação de lugares é simplesmente terceiro mundista e com os tugas isso funciona na perfeição, como bem demonstra o seu brilhante relato

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    1. Há tanta coisas nos tugas que são terceiro mundistas... que acabam por ser pitorescas!...

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  7. Miguel Ângelo Fernandes13 de agosto de 2012 às 15:30

    Viajar de autocarro em Portugal, entre outras actividades de igual valia (como por exemplo as reuniões de condomínio... lembrei-me da vizinha do 2º Frente...) é mergulhar no mais genuinamente lusitano, mesmo no seu "melhor"... A descrição fez-me lembrar o MEC nas suas incursões pelas nossas idiossincrasias....
    Obrigado Teresa... venha mais material deste!

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    1. Ok, prometo fazer uma reportagem da próxima reunião do condomínio!...

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