Aldeias de Xisto - III


À saída de Janeiro de Cima, resolvemos rumar a norte, na direcção da Serra do Açor. A paisagem vai-se desdobrando, deslumbrante. O tempo ajuda, com um sol radioso a iluminar a serra. Os pinheiros alternam com os soutos de castanheiros. Há poucos vestígios de ocupação humana: aqui uma casa, acolá um barquito, numa das margens do rio Ceira. Por vezes, a estrada é escavada na serra e sobram inúmeros pedaços de xisto, que se amontoam nas bermas. O meu marido está fascinado por eles e vai-os olhando e escolhendo; dentro de pouco tempo, as pedras vão acumular-se no porta-bagagens, enchendo-o de pó, à espera do momento em que, já em casa, se vão transformar num candeeiro, num tampo de mesa…

Chegar à aldeia de Piodão é apreciar um postal ilustrado. As casas dispõem-se harmoniosamente na encosta, como um presépio. Agora está sol, mas com neve deve ser uma paisagem ainda mais encantadora. Aqui, o turismo já marca presença. Logo à entrada, há um museu, o Museu do Piodão, que domina a pequena praça principal e define a tónica arquitectónica da aldeia. Há casinhas que vendem souvenirs, miniaturas de casinhas de xisto (lindas, também comprei uma, claro!), licores típicos da região. Podem-se fazer provas dos licores mais invulgares, como o licor de castanha. Há vários restaurantes, todos bem identificados, com empregados a angariar clientes, como se estivéssemos na Rua das Portas de Santo Antão. Escolhemos um ao acaso mas tivemos sorte, comemos umas belas trutas do rio Zêzere. No Piodão, o xisto é omnipresente. Forra as paredes das casas, constrói os telhados, define as chaminés, cobre as ruas. Só as portas e as janelas dão um toque de cor, de azuis, de vermelhos, a esta aldeia monocromática. A igreja, pelo contrário, é branca e debruada a azul, como uma capela de uma vila alentejana. Não combina!


Quando nos preparamos para sair do Piodão, o trânsito adensou-se. Várias camionetas e inúmeros automóveis fazem bicha para entrar na pequena praça ou para estacionar na estrada que dá acesso à aldeia. Centenas de turistas são despejados na entrada da praça. Os vendedores de casinhas e licores, os empregados dos restaurantes, aproximam-se. E eu, de repente, perco a vontade de estar ali. É como se algo de genuíno se tivesse irremediavelmente perdido. Lembro-me da primeira aldeia de xisto que visitámos, a Cerdeira, e apetece-me metê-la inteira dentro de uma grande árvore oca. Não era assim que eles guardavam os seus maiores tesouros?

Comentários

  1. Concordo com tudo o que contaste. Adorei esse passeio e acho incrível como ainda há lugares lindos como esses, que continuam desconhecidos para tanta gente. Bom, eu era uma delas. E às tantas até é bom que continuem um pouco desconhecidas.
    Bjokas

    Romicas

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  2. Acho que há ainda muitos lugares por explorar. Que não nos falte a vontade e a possibilidade de o fazer!
    Por qualquer razão, apetece-me falar de Portugal. Acho que a seguir vou fazer um post sobre Linhares da Serra. Manda-me as tuas fotos que eu perdi-as, como sabes.
    Bjs

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  3. O nome é Linhares da Beira, não da Serra!

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