25 de Abril

Numas célebres entrevistas que fazia num programa de televisão, António Alçada Baptista tinha por hábito questionar os seus convidados sobre o que estavam a fazer no dia 25 de Abril de 1974. Hoje, dei por mim a relembrar exactamente o que fiz nesse dia.

Lembro-me que acordei às 7 horas da manhã, como de costume, para ir para a escola. Mas a minha mãe estava nervosa, tinha ligado a rádio e só se ouviam marchas militares. De vez em quando, um locutor interrompia a música para ler comunicados à população: ”Comunicado do Movimento das Forças Armadas…”Percebeu-se que havia uma revolta em marcha e, como os militares aconselhavam a população a ficar em casa, foi o que fizemos. Ficámos agarrados ao rádio, tentando perceber o desenvolvimento da situação. A minha mãe, de vez em quando, ía à janela e só me lembro dela a comentar: “Os autocarros vão vazios! Não há ninguém nas ruas!” Há pouco mais de um mês tinha havido outra tentativa de revolução, a 16 de Março, que não tinha vingado. Nada garantia que saísse vitoriosa desta vez.

Ainda hoje recordo com nitidez os acordes dessas marchas militares que acompanharam a nossa manhã. À medida que o dia ía avançando, as notícias começavam a chegar com mais frequência, sempre pela rádio, claro! Naquela época, só havia um canal de televisão, a preto a branco, a partir do fim da tarde. Ouvimos o relato da concentração das forças militares no Terreiro do Paço, da rendição de alguns quartéis, da tomada da Estação de Televisão e do Aeroporto. Cada vez mais, os relatos eram acompanhados de um barulho de fundo ensurdecedor, à medida que a população lisboeta se apercebia do que se passava e invadia os locais onde estavam os militares revoltosos para os incentivar e aclamar. A meio da tarde, só o Quartel do Carmo ainda resistia e aí se concentravam centenas de pessoas. Se os sitiados tivessem atirado sobre o Largo do Carmo, teria sido um massacre. Mas isso não aconteceu: acho que já ninguém tinha vontade de lutar pelo regime!

Ao fim da tarde, eu já não aguentava mais a emoção e a ansiedade. Consegui convencer o meu pai e andámos os dois de autocarro em autocarro, a medir a pulsação à cidade. Lisboa estava em festa, mas ao mesmo tempo havia calma. A maioria das pessoas tinha um semblante risonho, corria para apanhar um jornal, das edições que começavam a sair, havia cravos nas mãos. Lembro-me que toda a gente falava com toda a gente, comentava, pedia informações.

Chegámos a casa a tempo de ver na televisão a apresentação da Junta de Salvação Nacional, chefiada pelo General Spínola, e do programa do Movimento das Forças Armadas. Um programa à medida dos anseios dos portugueses, com os seus três Ds: Democratizar, Descolonizar, Desenvolver. No dia seguinte, voltei à escola e a professora de História entrou na aula com um sorriso que lhe ocupava a cara toda, dizendo: “Finalmente, um bom dia!”

A partir daí, foi o que se sabe, mas a maioria das vezes se tenta esquecer. Dois anos de confusão, de ocupações, de greves e manifestações, de revoluções e intentonas. Mas também dois anos de aprendizagem da liberdade e da democracia, dos conceitos e da linguagem da política, da intervenção e do crescimento. Dois anos que eu não trocava por todo o ouro do mundo.

Hoje, trinta e cinco anos depois, pergunto a mim mesma o que foi feito da esperança ingénua que explodiu nesse dia. Descolonizámos mal, desenvolvemos pouco e a nossa democracia está, no mínimo, constipada. O país mudou e muito, em vários aspectos para melhor. Mas o mal-estar e a desilusão instalaram-se. Continuamos à espera de alguém que venha “pôr a ordem” no caos. Talvez seja o momento de olhar para dentro, para tudo o que temos de bom e positivo, e, sem esperar por nenhum ente providencial, começar a melhorar o que está ao alcance das nossas mãos.

Comentários

  1. Trinta e cinco anos passados, trinta e três depois do PREC, mais do que aqueles que posso contar, de existência, neste mundo. Muitas loucuras tiveram lugar, muitos erros se cometeram mas, tal como disseste, após a revolução, teve de se reaprender o significado de liberdade, reprimido e esquecido durante 50 anos... E é bom poder escrever estas simples linhas de comentário em liberdade sem me preocupar com nada.
    A desilusão e o mau estar aparecem porque as pessoas continuam à espera de um D. Sebastião que as salve. Seria tão melhor se compreendessem que quem pode "'pôr a ordem' no caos" é apenas o senhor lambda, i.e., apenas todo e cada um de nós.

    Há uma citação de Norman Vincent Peale que, se fosse seguida...
    "O pensamento positivo pode vir naturalmente, mas também pode ser aprendido e cultivado, mude os seus pensamentos e mudará o seu mundo."

    Beijinhos,
    Nuno

    ResponderEliminar
  2. Tens muita razão. Temos de aprender a ser positivos e a tomar as coisas nas nossas mãos. Mas neste país toda a gente exige tudo do Estado, sem perceber que, se não produzirmos riqueza, o Estado não tem para a distribuir. Isto além da má redistribuição que frequentemente faz (sabes que Portugal é o país da UE com maior desigualdade salarial e social?)! Às vezes, é difícil ver como podemos sair desta crise, que se sobrepõe à crise internacional.

    ResponderEliminar
  3. Excelente relato do teu 25 de Abril!
    Um Bj da família Costa!
    Pedro

    ResponderEliminar
  4. Teresa:
    Excelente relato de uma jovem que viveu o 25 de Abril de 1974!
    Prometo-te alguns contributos sobre esse tema que adoro!
    Bjs da família Costa
    Pedro

    ResponderEliminar
  5. Olá Pedro.
    Sê bem vindo a este meu espaço de desabafos e reflexões. Este é um tema que também me diz muito e todos os contributos são aceites. Sobre os outros temas também!
    Bjs para vocês todos

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

A Figueira da Foz e Jorge de Sena

Cigarros, chocolates e cigarros de chocolate

Sapos e outras superstições