Bizantinices do futebol

Há mil e quinhentos anos atrás, a cidade de Bizâncio, a que chamavam a Roma do Oriente, dominava o Mediterrâneo. E, na capital do Império Bizantino, lado a lado com o Palácio dos Imperadores e a Igreja de Santa Sofia, impunha-se o Hipódromo. Era uma enorme construção, capaz de albergar até 40 000 pessoas sentadas, rodeada de outras pequenas construções, dedicadas ao alojamento dos funcionários e armazéns. Os espetáculos eram gratuitos, subsidiados pelo Estado; assistir aos jogos, aos combates, às corridas de carros eram as grandes distrações da população.
Havia uma grande competição entre as fações do Hipódromo, os Azuis e os Verdes, que chegava a provocar intrigas políticas e motins. Os corredores de carros, particularmente, eram idolatrados pela  cidade e os azuis e os verdes opunham-se apaixonadamente no apoio aos seus ídolos.
Hoje passa-se exatamente a mesma coisa. Os azuis, os verdes, os vermelhos, os laranjas, os brancos, competem e sofrem com a competição entre os seus ídolos, agora organizados em clubes. Os jogadores de futebol, em especial, são adorados e pagos principescamente. Estão a anos-luz das multidões que os seguem. Fazem parte de uma lógica de mercado que gera enormes lucros para os seus clubes-empresas. E, no entanto, as pessoas identificam-se com eles e com os clubes onde eles jogam, como se disso dependesse a sua vida. É um estranho sentimento de pertença, este. Os adeptos sofrem e regozijam-se com derrotas e vitórias que lhes são completamente alheias: não contribuem para elas e nada ganham ou perdem também com elas. E, no entanto, sentem-nas como suas, como se fizessem parte de alguma coisa que é maior do que eles próprios. 
No dia seguinte, a vida continua, os problemas não desapareceram, as dívidas continuam por pagar, a saúde não melhorou, mas, se a vitória sorriu aos seus ídolos, o mundo parece mais alegre. Houve risos, brindes e algumas bebedeiras. Só os jogadores ganharam prémios de jogo, mas cada adepto parece ter ganho qualquer coisa. 
Assim são as paixões, hoje como há mil e quinhentos anos em Bizâncio.


Comentários

  1. É uma paixão que, confesso, tenho arrefecido com os anos. Por várias razões. Uma delas é que há coisas bem mais importantes e que me dizem mais, para o bem ou para o mal. Ganham demais e há muito fundamentalismo clubístico. Mas é isso que dizes, tal e qual. :) Boa semana *

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    1. Fundamentalismo clubístico, é isso mesmo. E a troco de nada!
      Bjs

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  2. Jesus vai voltar a ser crucificado!
    Coitado!


    Abraço

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    1. Agora tem de aguentar as paixões frustradas dos adeptos!
      Bjs

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  3. Quando a "minha" equipa ganha - ganhámos!
    Quando a "minha" equipa perde - perderam...
    Assim eu nunca perco, só eles.
    :)

    Boa semana!

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  4. Sou apaixonado pelo meu clube - que por acaso é azul e branco- mas não deixo que a paixão me tolde a razão. Por isso digo que o SLB teve azar em Amsterdam e falta de competência e alguma arogância nas competições internas.
    O mais importante, porém, é que gostei desta lição de História
    Boa semana

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    1. Não quis dar uma lição de História, mas ainda bem que gostou do texto. Só quis salientar que o gosto dos seres humanos pela competição, e a identificação com os ídolos já vem de longe!

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  5. Um texto excelente que reúne História e opinião. Se tivesse sido eu a escrever o que sentes a respeito da festa da bola, não teria feito melhor. Atingiste os pontos fulcrais como uma flecha certeira. :)))))))))

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    1. Não percebo nada de futebol :)
      Mas gosto de analisar as reações das pessoas. O que as faz correr :)

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  6. Miguel Ângelo Fernandes26 de maio de 2013 às 23:03

    Assistir a um jogo de futebol era uma emoção... vibrar e ver vibrar a multidão com as falhas, as faltas, os erros dos árbitros... hoje confesso que o obsceno negócio em torno do futebol me afastou inexoravelmente de qualquer interesse... perdeu-se a identidade com a cor, ficou a nostalgia de até ter vestido a camisola do clube que ainda me faz recordar esses tempos... o que se será que na nossa constituição mental nos faz manter como há 1500 anos? Como é que ficou o Benfica?

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    1. Pronto, já sabes como ficou o Benfica, perdeu.
      E, na minha opinião, a nossa constituição mental mudou muito pouco em 1500 anos, ou mesmo mais. Só temos mais uns gadgets para brincar...

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  7. OI Teresa
    Esse é um assunto de todas as classes sociais por aqui,já estamos saturados.Imagino o que será quando estiver mais próximo da Copa do Mundo.
    Já vamos receber delegações para uma tal Copa das Confederações'_vai rolar dinheiro que daria pra resolver a vida de muita gente.E é uma sandice só -uma paixão desenfreada onde quem ganha é o que menos sofre... rs é inexplicável Teresa.
    Eu me recuso a entender um povo com tantos problemas e se alegrando com tão pouco , enfim já vou começar a providenciar as bandeiras... rsrs
    Muito bom texto , escrevestes muito bem.
    um abraço

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    1. Olá Lis
      Pois, se aqui a paixão pelo futebol é grande, no Brasil nrm imagino!
      Beijinho.

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  8. Não sei quem disse que atualmente o futebol é o ópio do povo. E eu concordo... :)

    Beijocas!

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  9. Uma paixão que felizmente não possuo :)

    beijinho

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    1. Nem eu! Por isso é mais fácil analisarmos, não é?
      Bjs

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  10. Gostei do texto e gostei da comparação.
    Sou um apaixonado pelo futebol e um fervoroso adepto do Benfica, quer ganhe ou perca e que é, apesar de tudo, e não há duas opiniões, o maior clube de Portugal.

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