História na paragem do autocarro
Estava calor, na paragem do autocarro. O sol batia diretamente na chapa e, naquele meio de tarde, a paragem parecia uma estufa. Um senhor idoso, de cor escura, sentou-se ao lado de uma senhora idosa, de cor clara. Mas voltou a levantar-se do banco, dizendo que estava demasiado quente. Por razões incompreensíveis, a senhora idosa sentiu-se ofendida e protestou:
- Não estava mais calor, lá de onde veio?
O homem retorquiu-lhe sem demoras:
- E como é que a senhora sabe de onde é que eu venho? Acha que eu venho de África por causa da cor da minha pele? Eu sou tão português como a senhora! Aposto que a senhora também não sabe de onde vieram os seus antepassados! Houve muitas invasões de povos e a senhora não sabe quais são as suas origens! As pessoas não sabem História!
Comecei a ouvir atentamente aquela defesa da História, entrecortada de pronúncias e acentos variados. A senhora tentava desculpar-se com argumentos inúteis, que já iam nos seus antepassados transmontanos, o homem contra-atacava com múltiplas invasões de povos, das quais baralhava um pouco as datas.
Ao meu lado, uma senhora de meia-idade desabafava:
- Quando eu vivia em África, tratavamos os negros com mais respeito, embora eles fizessem os mesmos trabalhos que nós fazemos hoje. Eu vivia em Moçambique e tinha criados e cozinheiros. Agora, eu é que trabalho num hotel. Eu era portuguesa, vivia bem. De repente, deram-nos 48 horas para sair de Moçambique, ou perdiamos a nacionalidade. De repente, o Samora Machel era um herói e nós não pertencíamos a sítio nenhum. Nunca percebi o que foi que nos aconteceu. Mudou tudo, de repente ficámos sem nada. O que é que aconteceu?
O homem idoso de cor escura, que entretanto já tinha apanhado o seu autocarro, tinha razão: as pessoas não sabem História. E assim não se consegue perceber porque é que estamos nesta situação ou noutra, o que nos trouxe aqui, que ventos sopraram e alteraram a nossa vida. A História também nos ensina outra coisa: todos nós somos joguetes, peões, num jogo muito mais amplo, onde se jogam interesses mais abrangentes e, muitas vezes, mais mesquinhos. No século IV como no século XX ou XXI, a nossa vida é uma peça minúscula num jogo de interesses que nos manipula e nos ultrapassa. E pode ser abalada de repente, por uma simples mudança na direção dos ventos.
Gostei tanto de ler este teu artigo!
ResponderEliminarBeijinho.
Obrigada amiga!
EliminarEstamos ambas atentas ao que se passa à nossa volta, cada uma à sua maneira!
Beijinho.
Concordo absolutamente com o que escreves sobre a História e a mudança de ventos. Mas era tão bom ser jovem, sentir que se tinha a vida toda pela frente e ter a "certeza" que íamos mudar o mundo... :)
ResponderEliminarBeijocas
Pois é, mas no essencial o mundo mudou muito pouco...
EliminarBeijinhos
Olá, Teresa
ResponderEliminarO desconhecimento da História: um mal de que muita gente padece.
E quando o vento da mudança sopra apanha-nos desprevenidos.
Uma história que retrata tantas vidas...
Bj
Olinda
Olá, Teresa
ResponderEliminarAdorei o seu post em "Olhares Viajantes, Belgrado e São Sava".
Não comentei porque não me entendo muito bem com os dados que aí são exigidos.Sorry.
Bj
Olinda
Olá Olinda
EliminarObrigada! Mas, diga-me, que dados são exigidos? Não faço ideia! Há cada coisa...
Bjs
A historia de ter vivido em Moçambique com criados fez-me lembrar as historias da minha avo :)
ResponderEliminarGostei muito de ler este post!
Beijos!
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Todo o caminho é uma aventura e uma forma de coleccionar momentos
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