Adeus Querido Líder

Hoje foi a sepultar o Querido Líder. Ou talvez a embalsamar, para se manter disponível para a adoração forçada dos seus súbditos. Confesso que me sinto aliviada. Já não suportava ligar a televisão e ver filas ordeiras de pessoas a destilar lágrimas e sofrimento à ordem de um dos regimes mais autoritários e brutais do mundo, naquele que é, ao mesmo tempo, um dos países mais pobres do mundo. Enfim, para abreviar, um país onde há dinheiro para armas nucleares mas não para aliviar a fome do seu povo.
No entanto, ao mesmo tempo, tornou-se um espetáculo fascinante assistir à escalada da ostentação da dor. Num dia viam-se as pessoas a chorar e arrepelar os cabelos, no dia seguinte eram as crianças das escolas, a histeria foi aumentando como se cada um tivesse de mostrar mais dor que o vizinho do lado. A loucura atingiu um patamar superior no dia em que um locutor anunciou (sem se rir!) que a natureza também mostrava o seu pesar pela morte do querido líder, pois os pássaros tinham parado nas árvores. Será que não há limites para o ridículo?
Esta histeria coletiva induzida fez-me lembrar a época da morte do pai do Querido Líder, em 1994. A mesma loucura, as mesmas lágrimas. As pessoas eram aconselhadas a ir várias vezes prestar homenagem e demonstrar a sua dor. Também foi dito que os grous tinham descido do céu em demonstração de pesar. E um locutor até disse (também sem se rir!) que, se as pessoas chorassem muito, o Supremo Líder poderia voltar à vida. E as pessoas obedientemente choraram. Claro que Kim Il Sung não voltou à vida, mas foi continuado pela sua sequela, Kim Jong Il, o Querido Líder.
Tudo isto tem uma vantagem. Quando, neste ano letivo, quiser explicar aos meus alunos as características dos regimes ditatoriais, e lhes falar no totalitarismo, na censura, no culto da personalidade, eles vão recordar-se desta situação tão recente e perceber muito melhor como funciona um regime que controla os corpos mas também as mentes, as consciências, da sua população.
Ultrapassaram-se os limites do ridículo. Ou talvez nem seja ridículo. Apenas triste.


Comentários

  1. Ah, e será que os teus alunos tiveram pachorra para ver as cerimónias fúnebres do "querido líder" na televisão? É que eu confesso que não tive, sempre que vinha aquela choradeira pegada e sem sentido, arranjava logo outros afazeres, ou mudava de canal... :)

    Mas tens razão, caso eles vejam é um exemplo muito didático do que é uma ditadura! :D

    Beijocas!

    ps - quem é vivo sempre aparece... no FB e na blogosfera! :)))

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  2. Mais que uma DITADURA DE FERRO, é a ESTUPIDEZ HUMANA !

    Um beijo, Teresa.

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  3. Quando tiveres um pouco de tempo, vê isto
    http://www.dailymotion.com/video/xker1b_as-minhas-ferias-na-coreia-da-norte_news?start=1#from=embediframe
    e ficarás com uma ideia muito mais ampla do que é a Coreia do Norte.

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  4. Impressionante o "teatro" montado pela Coréia do Norte,chega a ser vergonhoso, um país onde a população passa fome, é carente de tudo, chorar a morte de um monstro. Aproveito para te desejar um Feliz ano novo junto aqueles que mais ama. Beijocas

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  5. Teresa
    Acho que os miúdos podem ter andado distraídos e com pouca pachorra para assistir a estes espectáculos, mas alguma coisa lá há-de ter ficado. Havemos de discutir isso nas aulas.
    Bjs

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  6. João
    Eu até diria que é a estupidez humana que produz as ditaduras, sejam elas de ferro ou de qualquer outro material!

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  7. Pinguim
    Excelente, o video que aí apresentas! Devia ser de visionamento obrigatório!

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  8. Obrigada pelos votos, Marilú, um feliz 2012 também para si e para os seus.

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