O menino que gostava de ler
Era um menino que gostava de ler. Tinha aprendido, juntamente com os outros meninos da fazenda, na pequena escola que ficava no topo da colina. Mas, enquanto os outros se encantavam com os pássaros e os toiros, ele fascinava-se com as letras. Lia tudo o que encontrava, os cartazes da beira da estrada, os farrapos de notícias que chegavam a esvoaçar em pedaços perdidos de jornais, os rótulos das latas que se deitavam fora, as bulas dos remédios para os cavalos. Punha a cozinheira maluca, sempre a ler os escritos das embalagens. Só lhe faltavam os livros...
Até que um dia tudo mudou. Houve um grande incêndio na fazenda. Foi o pânico, todos corriam de um lado para o outro, acartando água, batendo no chão com pequenos ramos para evitar reacendimentos, ou apenas gritando e atrapalhando todos os que tentavam salvar a aldeia e os campos de cultivo à volta. Ninguém ligava importância ao garoto, que fugiu pelos campos para o sítio que lhe pareceu mais seguro: a Casa Grande.
Em situações normais, aparecia logo alguém a enxotá-lo, “Sai daí, miúdo!”. Mas esta não era uma situação normal, toda a gente andava entretida com o fogo. O menino subiu as escadas a correr, sabe-se lá porquê, talvez porque lhe parecesse que mais perto do céu estava mais protegido! Deu com uma grande porta de madeira pesada, empurrou-a e sentiu-se mesmo no céu: era uma sala enorme, cheia de prateleiras até ao tecto e em cada prateleira acotovelavam-se livros de todos os tamanhos e feitios.
O garoto esqueceu-se de tudo, do fogo, do medo… Puxou um livro para si, depois outro.
Quando o dono da Casa Grande entrou na biblioteca, encontrou o menino sentado no chão, com um atlas aberto no chão à sua frente. Com o dedito, apontava sítios, seguia rios, soletrava nomes estranhos e aprendia que o mundo era muito maior do que ele pensava.
Em circunstâncias normais, o dono da Casa Grande ter-se-ia zangado com o garoto. Mas já expliquei aqui que, naquele dia, não havia normalidade em nenhumas circunstâncias.
Talvez fosse o dedito no grande atlas. Talvez fosse o olhar de descobertas e assombros do miúdo. A verdade é que o dono da Casa Grande se sentou ali no chão a falar com ele, perguntou-lhe o nome e os sonhos e convidou-o a vir à biblioteca sempre que ele quisesse. E ele foi.
Quando cresceu, tornou-se professor, das primeiras letras, pois claro!... Mas voltava sempre que podia àquela grande biblioteca, onde os livros cheiravam à sua infância.
(Este texto foi publicado quando o blogue era apenas recém-nascido. Republico-o agora, com algumas pequenas alterações, a propósito do Dia Mundial do Livro e dos assombros da leitura)
O assombro do conhecimento... ainda hoje me sinto um pouco assim. O conhecimento é a unica coisa que parece nunca ter fim. Bonito o texto!
ResponderEliminarbeijinhos
Gostei :)Ao contrário dos horizontes do meu texto, :) Não há limites quer para o conhecimento, quer para a imaginação. E se não tivesse havido incêndio, seria hoje o menino professor? Detalhes que mudam o rumo das vidas... beijinho
ResponderEliminarUma excelente abordagem...
ResponderEliminarValeu a republicação,Lindo, não podia ficar escondido esse texto! beijos,chica
ResponderEliminarE não lhe ofereceu o Atlas? Forreta...
ResponderEliminarÕs livros são passaportes para o imaginário. Sabe-se lá o que teria ou não teria acontecido se...
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