Mensagens

A mostrar mensagens de setembro, 2012

A arte e a dona Cecilia

Imagem
Este ano letivo, tenho uma turma gira, de miúdos interessados e questionadores. No início das aulas, damos sempre uma vista de olhos aos conteúdos curriculares previstos e, ao depararmos com os percursos da arte no século XX - e depois dos comentários habituais, do estilo "Fazem um risco num quadro e dizem que é arte! - um aluno interroga-se: "Mas, afinal, o que é que transforma uma obra numa obra de arte?"  Resolvi pegar na questão, para os pôr a debater e a refletir. Falámos do autor, do nome, do percurso. Da inovação, da intencionalidade, da harmonia, do questionamento. Até que um aluno se lembra do quadro da catedral de Borja, em Espanha, recuperado pela senhora dona Cecilia Jimenez. Foi gargalhada geral! Quem não se lembra do "Ecce Homo", transformado pelas mãos da dona Cecilia num fenómeno de popularidade, que correu pela internet e pelas redes sociais como um virus? Uma aluna lembrou-se: - Eu já vi um quadro de Picasso em que ele alterava um

Casas em Movimento

Imagem
Podem faltar muitas coisas aos lusitanos, mas aí não se incluem seguramente a criatividade, a imaginação, a capacidade de adaptação. Damos constantemente provas disso, nem que seja a iludir a crise, embora nem sempre a comunicação social dê o eco devido. Vem isto a propósito de uma casa em movimento projetada por um jovem estudante de arquitetura português, Manuel Vieira Lopes, que está a ter um enorme sucesso, estando agora em exibição num Salão Internacional em Madrid. De resto, é a primeira vez que uma candidatura portuguesa é aceite na prestigiada feira tecnológica solar Decathlon, em Madrid. É uma casa que se pauta pela inovação, o arrojo e a adaptabilidade. Completamente coberta de placas de aproveitamento da energia solar, que a recobrem como uma segunda pele, é uma casa auto suficiente em termos energéticos, com a vantagem de que todos os seus componentes se podem levantar, baixar ou rodar de modo a melhor aproveitar a luz solar. A própria casa, como um todo, pode ser movid

Ontem, num semáforo...

Imagem
Ontem, parei num semáforo numa avenida muito concorrida de Lisboa. Pelo canto do olho, reparei num homem que, no separador central, empunhava um cartão com frases escritas. Confesso que não liguei muito, estamos habituados a ver gente a pedir, com as mais variadas estratégias. Por vezes, até já encolhemos os ombros, percebemos que o dinheiro que se pede é para alimentar o vício.  Mas houve qualquer coisa que me fez olhar duas vezes. Aquele cartão era diferente, era um murro no estômago. Consegui ler: "Aceito qualquer trabalho. Tenho dois filhos para alimentar". Lembrei-me de cartazes idênticos da época da Grande Depressão, dos anos 30. As imagens de pobreza, desolação, desespero, que associamos a essa crise, vieram-me à memória. Aprendemos que as crises são cíclicas. Mas as pessoas existem aqui e agora.  O sinal verde acendeu-se e eu afastei-me do homem e do seu cartaz. Na minha memória apareceu outro cartaz da época da Grande Depressão, que reclamava: "Somos cidadã

A Greve ao Sexo

Imagem
Lisistrata é a personagem principal de uma famosa comédia de Aristófanes. Para quem tem a cultura clássica mais esquecida, relembro que Aristófanes foi um autor grego de peças cómicas, que viveu há mais de dois mil e quatrocentos anos. Pois conta ele que Lisistrata, uma mulher ateniense, concebeu um plano para obrigar Atenienses e Lacedemónios a fazerem a paz, num momento em que os exércitos já se encontravam acampados nos campos de batalha. Qual era a arma de Lisistrata? O sexo! As mulheres de Atenas iriam vestir-se de túnicas transparentes e convidativas, provocar os seus maridos mas, no momento final, recusar o sexo até que eles decidissem fazer a paz.  Lembrei-me de Lisistrata nestes últimos tempos. Na telenovela "Gabriela", Maria Machadão e as suas meninas do Bataclã decidem fazer uma greve de sexo até que os coronéis lhes permitam participar na procissão e oferecer um manto à santa da sua devoção, Santa Maria Madalena. Também no Togo, imagine-se, há um apelo idêntico

Postal de Lisboa XXIII - Nas pegadas da Severa

Imagem
(Fado frente à Igreja de Nossa Senhora da Saúde) É uma associação nascida e desenvolvida dentro do bairro. Chama-se "Renovar a Mouraria" e tem feito um trabalho muito positivo e meritório em várias áreas, desde o enquadramento dos jovens até à revalorização da multiculturalidade, que é um traço distintivo do bairro.  Com o apoio do Museu do Fado, decidiram organizar passeios guiados pela Mouraria. Não podia perder e lá fui, num fim de tarde de sábado. E que fim de tarde bem passado! Guiados pelos próprios habitantes do bairro, percorremos as ruelas estreitas, vimos a casa onde viveu a Severa, mas também a da Maria Albertina ou do Fernando Maurício. O fado parece estar entrelaçado nas próprias pedras das ruas que pisamos, com nomes evocados nos fados mais conhecidos, como a Rua do Capelão. Por isso, o fado acompanha-nos. Ouvimos fado frente à Igreja da Saúde, depois mais à frente, no Largo da Severa. Os habitantes acenam das janelas, marcam lugar nos bancos para ouvir

A Cidade da Tolerância

Imagem
No Largo de São Domingos, uma parede inteira afirma que Lisboa é a Cidade da Tolerância. Há coisas que não deviamos tolerar. (Fotografias de Teresa Diniz)

O Elefante na sala de estar

Imagem
Ultimamente, houve duas notícias, quase seguidas, de ataques mortais de cães. Num caso, a vítima foi uma criança, no outro foi uma mulher. Porque gosto muito de cães, tenho-me interrogado sobre estas situações: quem serão os verdadeiros responsáveis? Não serão os donos os potencialmente perigosos? Encontrei este texto, escrito por um médico veterinário preocupado com o bem-estar animal, que reflete muitas das minhas interrogações. Vale a pena ler e refletir. O ELEFANTE NA SALA DE ESTAR É um “perigo” falar do que não se sabe ou pouco se sabe, mas que muito se sente. Vem isto a propósito de um tema que, pelas piores razões, se tornou assunto do dia-a-dia: o dos cães perigosos e potencialmente perigosos. Por definição técnica e jurídica cão perigoso é todo o cão que ataca e agride… mesmo que inadvertidamente lhe pise a cauda e ele(a) lhe devolva uma dentada. Não importa se é um pinscher anão ou um rottweiller (aliás cães do mesmo grupo, dos 10 grupos de classificação da Fe

Uma praça...

Imagem
Quando o Carlos, do blogue Crónicas on the Rocks , desafiou os seus leitores para apresentarem uma praça de que gostassem, para os outros leitores tentarem identificar, vieram-me tantas à cabeça que não consegui escolher. Gosto de praças, são as salas de visita dos lugares. Umas são magestosas, ou mesmo majestáticas, outras são pequenas e acolhedoras, mas dizem sempre coisas sobre a alma do lugar. Pensei numas quantas, em primeiro plano as praças de Lisboa. A principal, o Terreiro do Paço, já o Carlos tinha destacado no anúncio do desafio. Há outras, claro, lindíssimas: o Rossio, o Largo do Carmo, o Largo do Chafariz de Dentro, o Largo de Camões, e tantas outras. Como escolher? E, assim de repente, lembrei-me desta praça, em Roma. A Piazza della Rotonda, também chamada Praça do Panteão. Há outras maiores, mais conhecidas, mais carismáticas, tanto em Roma como em milhentos outros locais do mundo. Mas esta concentra tudo o que me agrada.  Desde logo, as camadas de Hist

Caldeirada

Imagem
Chama-se "efeito day after". Ontem, os anúncios de que, a uma hora conveniente, isto é, imediatamente antes do futebol, iriam ser anunciadas mais medidas de austeridade, ainda foram mais stressantes do que as próprias medidas! Ainda bem que andei distraída durante o dia inteiro, (a trabalhar, pois claro!) senão, tinha andado com os nervos em franja, à espera... Como diria o outro, "Que mais irá me acontecer?" Já me tiraram uma fatia do ordenado, já me retiraram os subsídios, diminuiram os dia de férias, anularam uns feriados... O que faltava? Tudo aumentou, desde a gasolina aos passes dos miúdos. Bem, dizem-me que ainda tenho sorte porque tenho um trabalho!... Ok! Recuso-me a ver só o lado mau das coisas. Por isso, vou comer uma bela caldeirada! Feita em casa, claro, para ser mais económico!

Anorexias e obesidades

Imagem
Nos últimos anos, dá-se cada vez mais importância às questões ligadas à nutrição e, provavelmente por causa disso, as palavras e expressões desse domínio extravasaram para outras áreas. Agora que se aproxima o início das aulas, lembrei-me de duas: a anorexia intelectual e a obesidade mental. Em que consistem? A anorexia intelectual é um processo de que todos somos espectadores, passivos, pacientes, às vezes impacientes mas impotentes... Encontramo-la em alguns alunos. Tal como uma jovem anorética tem a comida à sua disposição, mas recusa-se a ingeri-la, chegando a um ponto em que já não é capaz de o fazer, assim o jovem anorético intelectual tem a informação e a cultura ao seu dispôr, mas não a absorve. Não quer, não se interessa, não se concentra o tempo suficiente, as razões são múltiplas. Ao fim de algum tempo, desabitua-se de ler, de pensar, de consumir qualquer produto cultural um pouco mais complexo. Tornou-se um anorético intelectual.  Outros há que consomem muita inf

Uma questão de espinhos

Imagem
Foi o mocho Julião quem o encontrou, na berma da estrada que conduzia ao portão da quinta. Era uma bolinha de pelos duros e acastanhados. Deu-lhe um empurrão com a cabeça e viu-lhe os olhinhos assustados e as pequenas orelhas. A bolinha de pelos era afinal um jovem ouriço cacheiro, de patas chamuscadas pelo incêndio que devastara, durante dois dias inteiros, as serranias vizinhas. Julião não descansou enquanto não o levou até à quinta. Lá dentro, com a solidariedade de alguns amigos, foi alimentando o pequeno ouriço, trazendo-lhe aranhas e escaravelhos, lesmas e minhocas. Afeiçoou-se-lhe de tal modo que até pensou em dar-lhe o seu nome. Mas Julião assentava tão bem ao pequeno ouriço como um casaco três números acima, e acabou por lhe dar o nome de Júlio. As patas de Júlio foram cicatrizando e começou a ser mais autónomo. Afastava-se durante a noite, à procura dos seus pitéus preferidos, mas pela manhã voltava para junto de Julião, que se considerava o seu guardião ou uma espéc