Desencantos felizes
Ah, o amor que move as nossas ações e dá sentido aos nossos dias!
(O texto seguinte integra-se no desafio "Amor aos Pedaços" lançado pelo blogue Luz de Luma, com o tema "Desencanto".)
O
primeiro sintoma manifestou-se no segundo ano do casamento. Era sábado e Júlia
tinha perdido mais tempo do que o costume a preparar o jantar. Tinha-se
esmerado. Não sabia bem porquê, não era para agradar ao marido, que estava na
sala, a ver televisão, filmes atrás de séries, atrás de documentários… Estava
amuado com qualquer coisa, mas Júlia já não se lembrava bem porquê, tinha-se
tornado demasiado frequente. Lembrava-se, por isso, que não se tinha esmerado
para agradar ao marido, também não havia visitas, nem nenhum acontecimento
especial. Tinha-se esmerado porque lhe tinha dado prazer misturar ingredientes,
inventar, mexer o tacho vagarosamente, perder-se nos aromas e nos sabores.
Finalmente,
a mesa estava posta e a travessa na mesa. Chamou o marido. Recebeu uma resposta
resmungada, vinda da sala: “Não me apetece jantar! Depois como qualquer coisa!”
Em circunstâncias normais, Júlia ter-se-ia sentado a chorar, olhando para a
travessa entre soluços e sentimentos de auto piedade. Mas a visão da travessa
era demasiado tentadora: as massas misturavam-se com os cogumelos e os nacos de
carne, os pedacinhos de cenoura e o tomate, num autêntico arco-íris culinário.
Então, Júlia sentou-se e degustou cada garfada com um autêntico deleite.
O
encanto dos tempos de namoro tinha-se desmoronado no meio da rotina do
casamento. E Júlia ia-se apercebendo disso, sem saber como recuperar o romance.
Sentia-se perdida, infeliz, desiludida.
O
segundo sinal surgiu algum tempo depois desse jantar de sábado. O serão
arrastava-se e Júlia revolvia-se sozinha na cama. Começou por se sentir triste,
mas acabou por se levantar e fazer umas deliciosas bolachas de chocolate, que
comeu com gelado.
Quando
os filhos nasceram, os sintomas agravaram-se. Cada cena de gritaria era
sublimada em bolachinhas de limão, ou biscoitos de canela. Uma desatenção podia
gerar uma bôla de queijo e fiambre. Uma embirração, ou um amuo, podia dar
origem a uma tarte de alho francês. Cada frustração transformava-se em queques
de framboesa ou tarteletes de morangos.
E
assim o desencantamento de Júlia se transformou na felicidade da família
inteira.
Olá, querida Teresa
ResponderEliminar"Tu és o orvalho que me beija"...
(Meliss)
Em pleno período pascal nos reencontramos para tecer o nosso Desencanto... entrelaçar partilhas de coração a coração...
Menina,me vi comendo com ela as tortas deliciosas de morango... faço isso em pleno dia de semana numa confeitaria aqui perto... é mesmo um deleite como vc disse pra afogar os nossos melindres... "amuos"... agora mesmo estou caprichando num nhoque e já fiz uma torta de banana com creme e suspiro... Hum!!!
Mas, não há Desencanto que resista à balança... de olho nela pra não descontar no corpo o que ele não recebe do Encanto... Prudência sobretudo no Desencanto!!!
Obrigada por sua participação e nos vemos no próximo mês se Deus quiser!!!
Bjs de Paz e Esperança junto com o meu carinho fraterno
"Meu coração orvalhado
pleno de gratidão,
agradece a Deus"...
(Élys)
Muito interessante a história...mas a heroína não ficará um pouco obesa?! :-))
ResponderEliminarA mim nunca me daria para isso, sou fraca cozinheira! :-))
Abraço
Será essa a explicação para a obesidade de muitas mulheres?... Há homens que se queixam das mulheres que perderam a graça e se "desleixaram" e relativamente às quais dizem ter perdido o interesse...
ResponderEliminarO que chega primeiro não sei, sei que as relações a dois só podem sobreviver se houver amor e capacidade para aprofundar essa relação todos os dias, cada dia da vida...
Belo texto Teresa.
O empate às vezes é um bom resultado (não há vencedores nem vencidos) só que ela não se resignou (?) e... engordou.
ResponderEliminar:)
Dizem que o doce sublima o desgosto, mas também provoca obesidade!
ResponderEliminarO melhor não teria sido mandar o marido às malvas e partir para outra?
Infelizmente, a obsolescência do amor é demasiado comum.
Gostei da história.
Oi Teresa!
ResponderEliminarTambém participante da BC vim visistar os blogs e me deparo com seu interessante conto, uma maneira bem sui generis de superar o desencanto, seria uma sublimação?rsss
Beijinhos!
Gostei bastante do seu enfoque ao desencantamento.
ResponderEliminarbjs Sandra
http://projetandopessoas.blogspot.com//
Olá, Teresa!
ResponderEliminarBem interessante essa história da Júlia! Um caminho inusitado, ela escolheu, para fugir do fantasma do desencanto. Pelo menos, neste caso, ela saiu lucrando, pois, desenvolveu um delicioso talento. E é isso mesmo que devemos fazer: a nossa felicidade não está nos outros, está em nós mesmos. Temos que buscá-la, e aprender a vencer as desilusões com muita fé e determinação.
Beijos, querida
Socorro Melo
Interessante. E esse desncanto não tornou a Júlia numa mulher obesa?
ResponderEliminarNão? Mulher de sorte, com tanta coisa boa...
Um abraço e uma boa semana
Pois é, amigos, há uma preocupação geral com a obesidade da Júlia. Eu também acho que ela vai engordar, é certo. Aprendeu a viver com o seu desencantamento e as suas frustrações, acho que sublimou tudo isso na cozinha. Mas não me parece que seja mais feliz!
ResponderEliminarHoje estou com pouco tempo para responder personalizadamente, como gostaria. Beijinhos e obrigada a todos os que por aqui passaram.
Bom, o marido da Júlia é um chato, em compensação, a restante família deve ser bastante redondinha! Mas há que se encontrar um jeito de não andar aí pelos cantos a chorar de infelicidade, não é? Pelo menos, sempre pôs em ação a sua criatividade... :)
ResponderEliminarBeijocas!
O texto é esplêndido com uma punch line absolutamente fabulosa. Em toda a leitura estava a ser conduzido para o binómio depressão/obesidade. Que grande aplauso que dei no fim.
ResponderEliminarOi Teresa,
ResponderEliminarsua participação é digna de um blog de culinária!
Tem algumas meninas dos blogs de culinária que não quiseram participar porque não sabiam como ligar o amor à gastronomia. Pois olhe que vou recomendar leitura do seu artigo. Aqui está a prova genial que é possivel ligar tudo com tudo.
Foi uma surpresa agradabilissima passar por aqui.
Estou seguindo a ordem numerica da lista para comentar.
Por isso demorei. Mas quero saborear todas as "confecções" com carinho.
Beijo além-mar.
Rute
Bela história. Júlia soube encontrar um escape para esquecer a indiferença do marido.
ResponderEliminarCozinhar é terapêutico e faz bem.
:)
Eu confesso que não gosto muito de cozinhar e não sou grande cozinheira. Mas é uma forma de sublimar frustrações, como outra qualquer. E, como escrevia a Rute, tudo liga com tudo, a cozinha liga com o amor, com a indiferença, com a saúde ou com a doença, com a auto-estima...
ResponderEliminarTeresa que história linda! Amei a forma que Júlia encontrou em transformar desencanto em felicidade dos outros. Mas...e ela? Adorei sua forma literária. E gostei demais de conhecer seu blog. Estarei sempre por aqui.
ResponderEliminarAbraço
Eu acho que ela não conseguiu ser muito feliz, a não ser através da felicidade dos outros.
EliminarVolte sempre, tenho muito prazer.
Bjs
na família inteira, estava incluído o marido??
ResponderEliminarGostei do texto, mas com a nula vocação que tenho para doméstica jamais o desencanto me daria para tarefas caseiras, rrs
Bons sonhos
Aposto que o marido também aproveitava as tarteletes e outras iguarias! :)
EliminarEu também não tenho vocação para doméstica, tinha de arranjar outra forma de sublimar os meus desencantos...
Bjs
Perfeito!! Pois temos tanto por aí, mulheres e homens perfeccionistas que se esmeram em algo para melhorar a auto estima. Sendo elogiada pelos parentes é a gratificação que Júlia tem para recompensar o outro lado carente da sua vida.
ResponderEliminarSabe que me fez arrancar do fundo do baú, uma senhora que vivia perto da casa dos meus pais quando eu era criança. O marido era mecânico de carros e vivia sujo de graxa, chegando em casa sempre com a roupa muito encardida. Ele nunca se preocupou em banhar-se antes de sair do trabalho. Por outro lado e eu achava que fosse porque o marido era sujo, a tal senhorinha tinha mania de limpeza e não podia um cisco cair no chão de sua casa. Ela era toda magrinha e empinadinha, energética mas bem calada. Agora penso que ela talvez nunca tenha tido coragem de dizer para ele tirar os sapatos antes de entrar em casa e que a sua mania era, na realidade, o suor que gastava limpando a sujeira dele.
Que vida dessas mulheres!!
Adorei seu texto! Me fez mudar alguns conceitos ;)
Beijus,
Obrigada Luma, cada um encontra a gratificação onde pode!
EliminarBjs
Gostei do texto, mas de certeza que o marido se ía deliciando também com os petiscos...
ResponderEliminarBjs
Também concordo que ela não tenha ficado mais feliz.
ResponderEliminarE a sublimação não será uma forma de esconder a infelicidade?
Adorei o texto... Acho que é comum a toda a gente, comigo é de certeza: quando me sinto mais em baixo, como a Júlia, corro para a cozinha e deixo que o simples acto de bater um bolo ou fazer uma tarte façam voar pela janela fora negativismos. Pode não ser muito bom para a silhueta, e sem dúvida não é uma boa solução a longo prazo, mas vale pelo que vale, que é fazer-nos snetir melhor no momento e com mais coragem e força para enfrentar o que vier ;)
ResponderEliminarQue texto mais singelo, Teresa! E a nossa Júlia transformou desencanto em alguma espécie de felicidade. Cozinhar é mesmo uma terapia. Não resolve, mas ameniza, ajuda a suportar os inevitáveis desencantos. Muito sensível sua participação, parabéns! Um beijo!
ResponderEliminarTereza são tantas participações lindas, que ainda não consegui ler a todas e algumas ainda desconhecia com a sua, mas nossa querida amiga Rute, me avisou da sua participação e de fato foi a participação mais bela que vi em relação desencanto x culinária. A culinária na minha vida, mexe e mexeu muitas vezes meu lado emocional, tem aqueles dias que voce passa um dia inteiro na cozinha e espera altos elogios, mas não vem nenhum, como se aquele esforço todo e dedicação não passasse de uma refeição sem graça, e tem dias (graças a Deus, mais presentes) que fazemos uma comidinha simples e recebe muitos elogios. E isso me faz muito bem, ver os meus felizes. infelizmente tem familias que não dão valor à mãe, ou à esposa, que por vezes procuram receber um mínimo elogio que seja mesmo que através da sua comida.
ResponderEliminarLinda sua participação. Bjos
Josy
Pois é, parece estranho, mas se há uma forma de ultrapassar os desencantos ou simplesmente o aborrecimento comum a muitas mulheres é mesmo a culinária. Bater um bolo, ou experimentar uma receita nova, pode ser uma forma de terapia. Quem sou eu para criticar?
ResponderEliminarBeijinhos.
Olá, Teresa!A forma da Júlia mascarar o desencanto foi tornar-se uma bela cozinheira!Bem, acho que preferia mandar embora o marido, nada paga o preço da nossa liberdade!Preferia cozinhar só para mim!
ResponderEliminarGostei muito do texto, achei-o lindo, mas muito triste, acho que passou bem a mensagem do desencanto!
Beijinhos
Olá Lina. Percebeste bem a minha mensagem. Cozinhar sim, se nos apetecer, mas não para sublimar uma vida triste e frustrada.
ResponderEliminarVolta sempre. Bjs