Burros ricos e burros pobres

Parece que decorreu já no mês passado, mas foi só há poucos dias que tive oportunidade de ler algumas partes da comunicação que Michael Marmot, professor catedrático em Epidemiologia e Saúde Pública e director do Instituto Internacional para a Sociedade e Saúde na University College de Londres, trouxe a Lisboa, onde falou para profissionais da área da saúde no Instituto Ricardo Jorge. Confesso que, não sendo a minha área, nem sempre me despertam atenção as questões de saúde pública. Mas o que este professor nos veio dizer,  vai muito para lá da saúde, acaba por ser um estudo sociológico muito interessante. 
Não é novidade para ninguém que uma mulher queniana tenha quase metade da esperança média de vida de uma mulher sueca ou japonesa. O que já é surpreendente é que se possam constatar diferenças significativas nos mesmos bairros ou nos mesmos grupos socio-profissionais, dependendo de alterações  no grau de escolaridade ou no grau de satisfação profissional. Hoje, ao fim de anos de recolhas de dados quantificáveis, é possível tirar conclusões inesperadas.
Por exemplo, em Washington D.C. entre o mais rico dos seus habitantes e o mais pobre distam 18 anos de diferença em esperança média de vida. Marmot estudou também o grupo dos funcionários públicos ingleses e encontrou maiores taxas de mortalidade entre os funcionários públicos do final da escala comparados com os do topo. Até na Suécia há um estudo que mostra que há diferenças entre um detentor de um doutoramento e o de um mestrado, o doutorado tem maior esperança de vida. 
Um dos casos que achei mais interessante foi um estudo britânico de 2003 que avaliou o desenvolvimento cognitivo de quatro tipos de crianças. A criança com baixo desenvolvimento cognitivo de uma família rica recupera esse atraso, já aquela que tinha tido o mesmo baixo ponto de partida  numa família pobre mantém-se ao mesmo nível. Nos meninos a quem foi identificado alto nível cognitivo, o da família pobre desce de desempenho intelectual à medida que avança na idade, o que cresceu num lar rico mantém o seu desempenho alto. O professor resume da seguinte forma este estudo: "Se se for pobre e burro fica-se burro, se se for burro e rico recupera-se. É a prova de que os genes não definem o destino e que a envolvência social é determinante e que o social potencia o biológico".
Se é suposto o sistema escolar ter como base a igualdade de oportunidades, este estudo deve fazer-nos refletir sobre os paradigmas educativos que têm sido seguidos e que, pelos vistos, não têm conseguido garantir esse objetivo básico.


Pode ler-se mais sobre esta conferência Michael Marmot aqui.
Os simpáticos burros da imagem vivem em Sintra e ajudam crianças com deficiências.

Comentários

  1. Estes estudos provam aquilo que intuitivamente, todos sabemos... e também que não são apenas as condições socio-económicas que potenciam um aumento na esperança média de vida, mas o nível de estimulação cognitiva... claro que esta, depende das condições socio-econímicas...

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    1. Claro que sabemos isso, mas acho que a escola podia e devia ter uma função harmonizadora ao nível da estimulação cognitiva. Não a tem.
      Bjs

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  2. Infelizmente o Sol quando brilha, não é para todos...

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  3. Não me admira que a diferença entre ricos e pobres, nos EUA, determine uma diferença de 18 anos na esperança de vida: o sistema de saúde americano depende única e exclusivamente de ter ou não ter dinheiro para se tratar!

    Do mesmo modo, não é para admirar que crianças com dificuldades de aprendizagem tenham um diferente desenvolvimento consoante o seu estatuto social - há mais "armas" para as combater, para quem tem possibilidades monetárias de dar acompanhamento (pessoal ou especializado)!

    Quanto às restantes conclusões, suponho que uma maior satisfação com aquilo que se faz pode determinar uma maior vontade de viver... ;)

    Beijocas!

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    1. Teresa, como disse à Eva, o que me choca é que a escola podia ter um papel importante a esbater essas condições diferenciadoras à partida. Creio que não tem cumprido bem esse papel.
      Bjs

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  4. Minha amiga até para se ser um bom burro é preciso ter sorte e dinheiro :)
    Um estudo muito interessante que nos mostra como as condições económicas e sociais determinam tudo, até a esperança de vida.

    Adorei os burros solidários :)

    beijinhos e boa semana

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    1. Pois é, quando vemos as estatísticas gerais, por país, devemos tentar fazer uma análise muito mais fina.
      Também acho os burros muito simpáticos. :)
      Bjs

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  5. Já li alguns estudos que relacionam a esperança de vida com a escolaridade e o nível de vida. Daí que sempre tenha criticado o sistema que se implantou em Portugal que estabelece uma conexão entre a esperança média de vida e as reformas. É uma medida que, uma vez mais, prejudica os mais desfavorecidos.

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    1. Exatamente, a esperança média de vida é um valor mediano, que corresponde a coisas muito diferentes!...

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