Os culpados de qualquer coisa

Andar de autocarro é sempre uma experiência pedagógica e edificante. Aqui há dias, meti-me num autocarro (por acaso, nem era o que eu queria, veja-se o que é o destino!) que foi dar uma grande volta até chegar à paragem onde eu precisava de sair. Percebi logo o engano, mas resignei-me e acomodei-me junto a uma janela.
Umas paragens à frente, entraram duas miudinhas da escolas. Cerca de dez anos, mochilas à costas. Caminhavam para a parte de trás quando, a um solavanco do autocarro, uma delas caiu sobre a perna de um homem idoso que vinha sentado, acompanhado de uma senhora também de bastante idade. O homem começou a barafustar, zurzindo a rapariguinha com todas as ofensas, desde desastrada a desrespeitadora dos mais velhos. A miúda só disse: "Desculpe, desequilibrei-me!" e não respondeu mais. Mas umas raparigas mais velhas tomaram a sua defesa, acusando o velhote de ser insensível. Uma acusou-o mesmo de ser racista e de atacar a miúda por ter aspeto de cigana. O homem ofendeu-se, a senhora que o acompanhava começou a contar a quem a queria ouvir as mazelas do marido e da sua operação à perna. As raparigas contestavam, que ninguém podia saber que aquela perna estava doente ou magoada. O homem continuava a protestar com a falta de educação das miúdas. Nesta altura, a discussão já se tinha generalizado no autocarro, entre os apoiantes do homem e os defensores da miúda. As vozes e as ofensas subiam de tom.
- Se fosse minha filha, você levava uma lambada nas trombas!
- Olha, você a falar de educação e veja lá como fala!
- Ninguém me diz como é que devo falar!
Temi que se envolvessem todos à pancada. Felizmente, alguém mudou a agulha à conversa:
- A culpa é da escola, os professores não lhes dão educação!
Ah pronto! Todos se puseram de acordo. A culpa, seja do que for, não é dos próprios, nem dos pais, tios, avós, nem dos vizinhos do bairro, nem da sociedade em geral. A culpa é dos professores, que não dão educação às crianças!
Estamos todos mais descansados! É tão reconfortante ter um bode expiatório!


Lisboa - O Rossio visto do Elevador de Santa Justa (Fotografia de Teresa Diniz) 

Comentários

  1. Francamente. Não há nada pior que peixeirada de gentalha sem formação. Enfim. :\

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  2. Claro, Teresa, então não??::)) Já cá faltava, nós é que não sabemos educar :) Significativo, infelizmente. Bj

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  3. Teresa, sem comentários.
    Só a ignorância leva a tais discussões com tal final.
    Não tenho pachorra!!!
    Bjs

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  4. Confessa, se a senhora que ia ao teu lado não te tivesse segurado...
    :)

    Bom Fim-de-Semana!

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  5. É tão fácil ser-se injusto!
    Bom fim de semana
    xx

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  6. A culpa é EXCLUSIVAMENTE dos violentos PÁRA / ARRANQUE que os motoristas praticam genericamente !
    Tinha um episódiopessoal para contar, mas é longo.
    Aliás, esses BRUSCOS PÁRA / ARRANCA / TRAVA, até sentado me fazem mal aos músculos do corpo, sobretudo à volta da coluna.

    Um beijo, Teresa e bom fim de semana.

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  7. Há discussões tão parvas! E essa certamente é uma delas, porque nem a miúda teve culpa do solavanco do autocarro, nem o velhote devia ter insultado a miúda por causa disso e muito menos as outras se deviam meter!

    A culpa é da escola? Certamente que não! Mas há velhotes ranzinzas que acham que os seus cabelos brancos lhes dão o direito de insultar os outros, sem receber feed-back. Mas esses se calhar nunca andaram na escola, portanto, fazer o quê?

    Beijocas!

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  8. Os professores qualquer dia nem aulas dão, quanto mais educação...

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  9. Um retrato muito fiel do país, onde o umbiguismo dita leis, as pessoas já não se respeitam e fervem em pouca água. Como já escrevi várias vezes, isto vai acabar mal...
    Bom fds

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  10. Não me quis meter na discussão (a sério que não, Rui!), nem tomar partido pela miúda ou pelo velhote. Mas fazem-me impressão duas coisas: a primeira é a facilidade com que as pessoas desatam a discutir e a fazer peixeirada (para utilizar a feliz expressão do LOL); e a outra é o gosto com que nos atiramos a um bode expiatório qualquer, especialmente se ele não estiver por perto! É fácil culpar sempre outra pessoa, ou melhor ainda uma entidade abstrata, de tudo o que corre mal. Nunca olhamos para dentro, nunca evoluimos, mas ficamos de consciência tranquila!

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  11. Miguel Ângelo Fernandes24 de novembro de 2012 às 23:00

    É a nossa matriz judaico-cristã Teresa... Cristo não assumiu a culpa da maltosa toda? Então? Alguém tem que pagar as favas... Os profs estão sempre a jeito... médicos também são um bom saco de areia... um fulano passa uma vida inteira a fumar e de repente aparece um cabr** dum médico a dizer que tenho um cancro e que não vale a pena operar... mas quem é o gajo para me negar cuidados básicos... bem... ministros estão sempre à mão para levar, também...

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  12. Para mim é sempre doloroso ouvir isso, doí cá dentro...ando demasiado cansada com tanta injustiça. Raramente sinto valorizado o papel do professor, mas como eu sei o que faço e disso me orgulho, ergo a cabeça e sigo.
    Bjs

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  13. O que vai ser de nós, com a Educação de rastos como está, os educadores a serem tratados como parasitas e os alunos como lordes...? o que será destes miúdos?

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