Da vida e da morte de Saramago
Faria hoje noventa anos. Uma bela idade, uma vida longa que se extinguiu algum tempo antes desta meta.
O que dizer de José Saramago, que não tenha sido já dito centenas de vezes, por muitos outros, muito melhor do que eu diria? Podia lembrar o meu deslumbramento quando descobri o "Memorial do Convento", há quase trinta anos. Podia escrever sobre a avidez com que, durante anos, agarrei os livros que iam saindo, para me entregar a uma escrita original, densa, sempre surpreendente, embora nem sempre fácil. Podia recordar algumas desilusões com obras que não me pareciam dignas do autor de "O ano da morte de Ricardo Reis" ou da "História do Cerco de Lisboa"; mas também o fascínio do meu filho, quando começou a ler comigo, numa longa viagem de metropolitano, "As intermitências da Morte". Podia discutir as polémicas, as entrevistas, as decisões. Mas não vale a pena. Dele, já se disse tudo e não adianta nada.
O que interessa são as palavras que ficaram. E, porque o Saramago poeta é menos conhecido do que o Saramago prosador, aqui deixo um poema que ele escreveu, talvez - quem sabe? - a pensar em mim.
Palma com palma
Palma com palma,
Coração e coração, e gosto de alma
No mais fundo do corpo revelado.
Já a pele não separa, que as palavras
São todas espelhos rigorosos da verdade
E todas se articulam deste lado.
Linhas mestras da mão abram caminho
Onde possam caber os passos firmes
Da rainha e do rei desta cidade.
(Provavelmente Alegria, 1985)
José Saramago escreveu um dia:
Cada um de nós é por enquanto a vida. Isso nos baste.
A ele não lhe bastou. Porque quem escreve palavras como estas viverá sempre na nossa memória.
São os seres como José Saramago que conquistam a Eternidade.
ResponderEliminarAbraço
Ultrapassam a morte através das palavras. :)
EliminarBjs
Saramago sempre foi para mim muito (demasiado) marcado pela sua faceta de homem (pouco simpático), que dirigiu o DN nos tempos do PREC e que é responsável ao bom estilo estalinista de uma purga grande naquele jornal.
ResponderEliminarNão foi a atribuição do Nobel que me levou a olhar para o seu outro (e mais importante) lado, o de escritor; demorei muito a ler algo dele, pois considerava a sua escrita demasiado árida, mas também nunca tentei ler os seus livros mais apelativos.
Só muito recentemente, e quase por acaso, confesso li o seu livro publicado postumamente, "Claraboia" e ...gostei!
A ponto dos dois ou três livros dele que tenho aqui arrumados na prateleira estarem prestes a serem "consumidos" pelos meus olhos.
Esta "mea culpa" é a melhor homenagem que lhe posso mostrar neste momento.
João
EliminarÉ verdade que ele era pouco simpático, duro, árido. Teve opções discutíveis e afirmações muito polémicas. Mas lá que escrevia bem que se farta, isso é verdade :)
Bjs
Adoro ler, e o Memorial do Convento conseguiu a proeza (a par com o gato malhado e a andorinha sinhá, de Jorge Amado) ser um livros obrigatórios das aulas que, de facto, mais do que adorar ler, ficaram na lista super concorrida dos meus livros favoritos.
ResponderEliminarEsse livro de Jorge Amado é uma doçura. Bem lembrado!
EliminarBjs
O Discurso que ele fez na Academia Sueca, onde fala do avô Jerónimo e da avó Josefa..., li-o e reli-o vezes sem conta e a verdade é que ainda me emociono. Porque será?
ResponderEliminarSe calhar, é porque as palavras dele nos refletem a todos, de uma maneira ou de outra. :)
EliminarNão conheço praticamente nada do Saramago poeta, mas sou fã da sua prosa e amanhã, se o tempo permitir, lá estarei na Casa dos Bicos com um exemplar de "A Jangada de Pedra"
ResponderEliminarBom fds
Pessoalmente, acho que Saramago é muito mais profundo como prosador do que como poeta. Mas, como gosto muito de poesia, não me escaparam estas palavras. :)
ResponderEliminarObrigada. Bom fds também.
O meu avô paterno conhecia o Saramago, afinal ele era da azinhaga... mas nunca mais lá voltou, somente quando fizeram a casa museu!
ResponderEliminarUm beijinho, Teresa!
Bom fim de semana!
Obrigada Alexandra.
ResponderEliminarBom fim de semana :)
Curiosamente sinto-o como se ainda estivesse entre nós!
ResponderEliminarBjs
De certo modo, está :)
EliminarBjs
ResponderEliminarOlá, Teresa
Li 'O ano da morte de Ricardo Reis',também achei o livro aquém da forma fantástica da sua forma de escrever. Mas, a ideia de completar a biografia de Ricardo Reis, situando a sua morte em 1936, é interessante. Adorei o poema.
Beijos
Olinda
Olinda
EliminarNa verdade, eu não me referia a esse livro, especificamente, como uma obra menor. Pelo contrário, também o achei muito interessante e original.
Beijinho.