A família do lado

Sentei-me na esplanada, estiquei as pernas e, como sempre, olhei em volta. Quase simultaneamente, uma família sentava-se na mesa do lado. Alguma coisa me chamou a atenção e continuei a observá-los, pelo canto do olho. O pai era alto e forte, mas tinha um ar mortiço. Sentava-se muito direito, o olher perdido no infinito, as mãos abandonadas no colo. A mãe, pelo contrário, tinha energia para dar e vender. Agiatava-se permanentemente, falava alto, ajeitava a cadeira do marido, punha-lhe o braço por cima do ombro enquanto lhe beijava a bochecha. E ele, de olhar mortiço preso ao horizonte...
Traziam um miúdo de uns nove ou dez anos, que os tratava por pai e mãe. De óculos e franzino, parecia não pertencer ao conjunto.
Encomendaram umas "tapas" e, quando chegou a comida, a mãe atacou os pratinhos com uma voracidade que condizia com o seu corpo volumoso. Tomou posse do garfo, comendo apressadamente. De vez em qaundo, metia uma garfada na boca do marido, que não esboçava um gesto. O rapazinho comia uma sanduiche, com ar distraído.
Dei por mim a embirrar com o grupo embora, ao mesmo tempo, me fascinassem. Por qualquer razão, não conseguia desviar os olhos da família da mesa do lado. Irritava-me particularmente o facto de a mulher dar a comida na boca ao homem. Será que ele não tinha mãos? Uma caneca de cerveja veio tirar-me as dúvidas. O homem colocou a mão na asa da caneca e não mais a retirou, levando-a de vez em quando à boca. Bem, claramente o homem tinha mãozinhas e funcionavam! Comecei a ruminar comentários sobre a subserviência com que algumas mulheres se comportavam face aos homens. Daí às observações sexistas foi um passo!
Entretanto, todos acabaram de comer. O miúdo desafiou o pai para jogar à sardinha. Ele riu-se e virou-se na direção do filho, que era também a minha, tateando desajeitadamente o braço do miúdo.
Foi então que a verdade me atingiu, com a força da evidência: o homem era cego! Daí a passividade, alguma dependência da mulher, os gestos titubeantes...
Paguei a conta e levantei-me, envergonhada comigo própria. É tão fácil julgar pelas aparências!...


Comentários

  1. Estamos sempre a julgar o mundo, e ele a pôr-nos à prova...
    Uma bela crónica!|

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  2. Tens toda a razão: É tão fácil julgar pelas aparências!...
    Mas a verdade é que é tão fácil encontrar "grupos estranhos" em qualquer lugar, que, ao mesmo tempo, é compreensível o teu erro.
    E, além disso, redimiste-te!
    Beijinhos.

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  3. Não estava à espera deste final...
    Fazemos realmente muitas vezes juízos precipitados mas, desde que não sejam maldosos, nem prejudiquem terceiros, também não nos devem pesar demasiado na consciência

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  4. Nem tudo o que parece, é!
    Tens razão porque às vezes somos precipitadas a tirar conclusões...penso que é uma característica mais feminina! :-((

    Abraço

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  5. Enquanto lia, lembrei-me logo que poderia ser esse o problema. Mas é isso - as aparências não falam, muitas vezes, verdade.

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  6. Não deixa de ser uma boa lição que devemos tirar de conclusões pela aparência.E existe o contrário também, pensamos algo bom de alguém que a realidade é horrível;
    Precisamos é vigiar mais nossos pensamentos ah esses pensamentos!! eles nao obedecem regras, chegam as vezes aos turbilhões.
    Não se envergonhe Teresa, é normal, o importante é tomar mesmo como uma experiencia ,um aprendizado e ponto.
    um abraço

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  7. NUnca devemos julagar pelas aparências nem substimar quem temos à frente. Mas é tão fácil, demasiado fácil, cair em tentação. E estou a dizer isto em relação a mim, porque este texto me recordou uma situação vivida por mim, assim deste género.

    Um bom dia.

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  8. Não fiquei propriamente envergonhada, mas confesso que me confrontei com os meus juízos precipitados e os meus preconceitos, até!
    Enfim, estamos sempre a ser postos à prova pelo mundo, como escreveu o AC.

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  9. Bom, mas isso pode acontecer a qualquer um! Quantas vezes nos deparamos com comportamentos estranhos e inusitados, que possivelmente até têm uma explicação? Nem sempre se descobre o porquê, como foi o teu caso, e o nosso sentido crítico não dá "meia volta"... Não me parece grave, quando tudo se passa no reino dos pensamentos! :)

    Beijocas e bom fim de semana para ti!

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