Os nossos vizinhos pássaros

 


Às vezes, a Natureza invade a cidade. Se lhe dermos tempo e sossego, a Natureza extravasa os jardins e baldios e traga tudo o que o Homem laboriosamente construiu. 

Os pássaros, por exemplo, invadem constantemente o espaço da cidade, tomando-o como seu, tal como nós. Muitas vezes, nem reparamos neles. Ouvimos as suas restolhadas e chilreadas nas árvores e vemos os seus voos em bandos sincronizados, mas não lhes dedicamos mais um minuto dos nossos pensamentos. Outras vezes, damos conta das suas vidas, pouco privadas. Coexistimos.

Há um casal de falcões que se habituou a vir todos os anos fazer o ninho numa floreira de um prédio de apartamentos. Os donos da casa tomam cuidados; não abrem a janela, para não incomodar o casal. Entretanto, os pequenos falcões nascem. Os vizinhos vão acompanhando os seus progressos. "Olha! Já se vêem os falcõezinhos! Já se ouvem, quando batem com os seus pequenos bicos na janela! Já ensaiam os seus primeiros voos!"

Um casal de pardais, o mais comum dos passaritos com que coabitamos, fez ninho atrás do prédio onde vive o meu filho. Puseram os ovos, nasceram os pardalitos. Comeram, cresceram e começaram a fazer os seus treinos de voo. Até que um dos pardalitos falhou o voo e caiu no saguão. Ainda sem capacidade para voar dali para fora, aí ficou, a pipilar. A mãe atarefava-se numa azáfama constante, para alimentar os filhos que ainda estavam no ninho, mas também o pardalito que piava, lá em baixo. Os vizinhos olhavam das janelas, impotentes perante o pequeno drama que se desenrolava no saguão. Foram buscar os binóculos, para acompanhar os acontecimentos. A mãe pardaloca continuava com o seu esforço interminável. O pardalito foi piando menos e aconchegou-se atrás de uns bidons velhos ali abandonados. Um dia, deixou de se ver ou ouvir o pardalito. O que lhe aconteceu? Não sei. Talvez tenha arranjado forças para voar. Ou talvez algum gato vadio o tenha encontrado e transformado num lanche.

Os vizinhos fecharam as janelas e arrumaram os binóculos nos armários, até para o ano. Na próxima primavera, a Natureza volta a invadir a cidade.

Comentários

  1. Faz parte da condição humana... digo eu que, em tempos, tive um cinzeiro publicitário transformado em banheira no parapeito da janela do gabinete onde trabalhava... era uma animação ver a pardalada a banhar-se...
    Não sei se é a natureza que invade o nosso espaço, se é a nossa natureza que é incapaz de se divorciar desse espaço natural...

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