A pandemia obscura

Temos passado os últimos dois anos distraídos com a pandemia do Covid 19. Mas, entre ansiedades e confinamentos, tem crescido outra pandemia, subterrânea, obscura: a violência sobre as mulheres.

Os números são tenebrosos. Todos os anos a PSP recebe milhares de queixas por violência doméstica. Destas queixas, algumas poderão refletir comportamentos ou descontrolos pontuais. Mas muitas delas vão acabar em situações graves, ou mesmo na morte das queixosas. Sabemos que, em cada mês que passa, uma mulher morre em consequência de uma agressão em situação de intimidade, isto é, perpetrada por um familiar próximo, geralmente o companheiro ou ex-companheiro. Nos últimos dois anos, estes números aumentaram, já que houve situações em que as vítimas ficaram fechadas em casa com o seu agressor.

Mas nem só da violência doméstica se alimenta esta violência contra as mulheres. Há o assédio, a manipulação psicológica, a violência pontual, porque surgiu uma oportunidade... É assim que acontecem alguns casos de violação, como os que vieram a público nestes últimos tempos. Uma promotora imobiliária foi violada por um presumível cliente, quando lhe mostrava uma vivenda. Uma rapariga foi violada quando fazia uma caminhada nuns passadiços, no norte do país. Os exemplos lá fora não são melhores. Recordo um caso recente de uma rapariga que foi agredida e violada num comboio, nos Estados Unidos da América. A única coisa que os outros passageiros do comboio fizeram foi filmar a cena, talvez para partilhar nas redes sociais. 

Há cem anos atrás, uma rapariga não devia andar sozinha na rua, especialmente à noite ou em sítios pouco frequentados. Era perigoso e era considerado indecoroso. Mas entretanto aconteceram tantas coisas! As mulheres sairam para o mercado de trabalho, lutaram por direitos políticos, conquistaram o direito ao voto! Estudaram, tornaram-se cientistas, deputadas, astronautas! Houve o Maio de 68, Woodstock, o movimento hippie! Difundiram-se os contracetivos e os programas de planeamento familiar, e as mulheres ganharam o direito à sua sexualidade! Atualmente, a maioria dos estudantes universitários são do sexo feminino e as mulheres acedem cada vez mais a lugares de chefia.

E, no entanto... Há cem anos atrás, uma rapariga não devia andar sozinha na rua. Hoje, também não!...

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Figueira da Foz e Jorge de Sena

Cigarros, chocolates e cigarros de chocolate

Sapos e outras superstições